Confesso
ter divergências com a Bíblia. Algumas são de detalhes, outras de ênfase, outras
de frontal discordância. Mas nada que não pudesse ser negociado. Eis o que
desde muito alimentou meu desejo de reescrever o livro sagrado – ideia que não
é minha, mas de Jorge Luis Borges, o grande escritor argentino.
Esta
confissão começa, pois, com a delação de um duplo plágio que seria cometido por
mim. Valeria como prova?
Abandonei
tal projeto literário não por medo de enfrentar a concorrência de seu autor. É
sabido que ninguém concorre com a Bíblia em sucesso editorial. Começa que não é
um livro, mas uma reunião de livros, donde seu nome, que vem etimologicamente de
ta biblia, ou
seja, os livros. Que foram escritos
em épocas e lugares diferentes e por cerca de 50 autores espalhados ao longo de
quatorze séculos. Além disso, seus originais estão em três línguas: o hebraico,
o aramaico e o grego. Quem já estudou a questão das dificuldades de tradução,
imagine o que pode ser gerado de equívocos em tantas versões de tantos textos.
Deus,
no caso, seria a figura que no mundo editorial anglo-americano se chama de
Publisher. Decide o que será publicado, escolhe textos e os revisa, determina
títulos e seleciona autores, adaptando o produto ao gosto do público-alvo.
Eis
porque não entro em polêmica com Deus. Não é bom se meter com adversário tão poderoso.
Digo
apenas que a Bíblia poderia ser diferente, talvez com linguagem mais direta e
concisa, Dalton Trevisan fazendo a revisão final. Divergências leves seriam contornadas.
Uma
delas: o fruto proibido. Embora a Bíblia não mencione qual seria esse fruto, os
séculos consagraram a maçã como o objeto do desejo. Sem citar seu nome, lá está
escrito que se tratava de um fruto “bom
ao apetite” e “formoso à vista”.
Eis
o ponto: maçã não é fruta de excepcional sabor, nem é irresistível em perfume,
textura e beleza. Há melhores. Deus, em sua sabedoria, não a escolheria para
fruto proibido.
Ou
escolheria?
Talvez.
Creio
que o Criador, anos-luz depois do Gênesis, fez um lobby pela maçã. Preferiu que
se divulgasse como fruto proibido algo menos sedutor – enfim, não queria dar
chance ao azar. Caso tal fruto fosse o caqui, por exemplo, não haveria ameaça
de punição que segurasse o apetite de Adão e Eva. O caqui, quando a ponto de
desmanchar em nossas mãos, é sugado com um prazer insuperável, lúbrico, erótico.
Daí o Criador preferir a maçã. Fruta mediana em beleza e sabor, à qual seria
possível resistir, ao menos por algum tempo.
Deus
teve nisso muito tato. Sabemos, salvo os fundamentalistas, que nada mais
desejável do que aquilo que é proibido.
Desconfio
que muita gente, não fossem as milenares proibições à sexualidade, nem se
interessaria por essa atividade tão exigente, que carece de esforço físico e
concentração psíquica, energia muscular e agilidade corporal, levando muitos
distraídos à beira do fracasso. Aliás, o mais temido dos fracassos. Sendo
objeto de tabu, o sexo virou o sucesso que se conhece, superando concorrentes
fortes, entre eles a maçã.
Não
sei se me explico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário