domingo, 8 de abril de 2018

Eu e a Bíblia ou: A inocência da maçã





 


Confesso ter divergências com a Bíblia. Algumas são de detalhes, outras de ênfase, outras de frontal discordância. Mas nada que não pudesse ser negociado. Eis o que desde muito alimentou meu desejo de reescrever o livro sagrado – ideia que não é minha, mas de Jorge Luis Borges, o grande escritor argentino.

Esta confissão começa, pois, com a delação de um duplo plágio que seria cometido por mim. Valeria como prova?
Abandonei tal projeto literário não por medo de enfrentar a concorrência de seu autor. É sabido que ninguém concorre com a Bíblia em sucesso editorial. Começa que não é um livro, mas uma reunião de livros, donde seu nome, que vem etimologicamente de ta biblia, ou seja, os livros. Que foram escritos em épocas e lugares diferentes e por cerca de 50 autores espalhados ao longo de quatorze séculos. Além disso, seus originais estão em três línguas: o hebraico, o aramaico e o grego. Quem já estudou a questão das dificuldades de tradução, imagine o que pode ser gerado de equívocos em tantas versões de tantos textos.
Deus, no caso, seria a figura que no mundo editorial anglo-americano se chama de Publisher. Decide o que será publicado, escolhe textos e os revisa, determina títulos e seleciona autores, adaptando o produto ao gosto do público-alvo.
Eis porque não entro em polêmica com Deus. Não é bom se meter com adversário tão poderoso.
Digo apenas que a Bíblia poderia ser diferente, talvez com linguagem mais direta e concisa, Dalton Trevisan fazendo a revisão final. Divergências leves seriam contornadas.
Uma delas: o fruto proibido. Embora a Bíblia não mencione qual seria esse fruto, os séculos consagraram a maçã como o objeto do desejo. Sem citar seu nome, lá está escrito que se tratava de um fruto “bom ao apetite” e “formoso à vista”.
Eis o ponto: maçã não é fruta de excepcional sabor, nem é irresistível em perfume, textura e beleza. Há melhores. Deus, em sua sabedoria, não a escolheria para fruto proibido.
Ou escolheria?
Talvez.
Creio que o Criador, anos-luz depois do Gênesis, fez um lobby pela maçã. Preferiu que se divulgasse como fruto proibido algo menos sedutor – enfim, não queria dar chance ao azar. Caso tal fruto fosse o caqui, por exemplo, não haveria ameaça de punição que segurasse o apetite de Adão e Eva. O caqui, quando a ponto de desmanchar em nossas mãos, é sugado com um prazer insuperável, lúbrico, erótico. Daí o Criador preferir a maçã. Fruta mediana em beleza e sabor, à qual seria possível resistir, ao menos por algum tempo.
Deus teve nisso muito tato. Sabemos, salvo os fundamentalistas, que nada mais desejável do que aquilo que é proibido.
Desconfio que muita gente, não fossem as milenares proibições à sexualidade, nem se interessaria por essa atividade tão exigente, que carece de esforço físico e concentração psíquica, energia muscular e agilidade corporal, levando muitos distraídos à beira do fracasso. Aliás, o mais temido dos fracassos. Sendo objeto de tabu, o sexo virou o sucesso que se conhece, superando concorrentes fortes, entre eles a maçã.
Não sei se me explico.





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