Por
exemplo: no escuro você procura a chave da porta e vai experimentando cada uma
das que traz no chaveiro. É metafisicamente certo que só a última delas abrirá
a porta, caso uma das anteriores não quebre na fechadura. O mesmo princípio
metafísico rege outros pequenos infortúnios: você procura um documento que está
dentro de uma das pastas sobre a mesa. O documento estará, é infalível, na
última pasta da última pilha. E não adianta querer dar uma de espertinho,
começando a procura pela última pasta; nesse caso, o documento estará
justamente na primeira.
Há
quem defenda que o mundo é um caos e que nada tem lei ou ordem. Engano. Metafisicamente
errado. Tudo obedece a leis mínimas que se repetem ao infinito, com precisão
irritante. Você sai do chuveiro, num dia
de muito frio, a casa cheia de visitas, e só então descobre que esqueceu a toalha
no quarto. Caso seja um sujeito prevenido – e o prevenido está destinado ao
fracasso, pois pretende burlar leis metafísicas – daqueles que se agarram à toalha,
pensando, “dessa vez não esqueço”, desista: desta vez o chinelo terá sido
esquecido no corredor.
Assim
vai a vida. Até hoje a única coisa que consegui ganhar em sorteio foi um pacote
de sagu numa barraquinha de festa do Espírito Santo. Duas vezes, só para me
chatear. Por isso não levo a menor fé na mega-sena. Aposto lá uma vez ou outra
e confiro os pontos com fleuma britânica: acerto nenhum, sendo que meu recorde
de acerto é de duas dezenas. Em apostas diferentes. Agora, se preencho o cartão
e esqueço-me de ir à lotérica efetivar a aposta, entro em pane: tenho certeza
metafísica de que acertarei seis dezenas. Então, por via das dúvidas, rasgo o
cartão. Pelos meus cálculos, já acertei umas dez vezes na loteria usando esse
método.
Todas
as obsessões, não há como discutir, são metafísicas e, por consequência,
infalíveis. Tenho amigos que não mudam de ônibus ou avião no meio da viagem:
ficam paralisados com a lembrança daquelas histórias do sujeito que mudou de
avião no último momento, conseguindo uma vaga por desistência de alguém e, é
claro, o avião caiu. Outros viajam sempre com a mesma roupa, o que dá sorte,
segundo pensam.
Um
deles me dizia isso:
-
Entro no avião e fico quietinho, cumprindo o ritual. O mesmo terno de sempre, sentado
no mesmo lugar, sempre folheando um exemplar da revista “A Cigarra” que voa
comigo desde 1958. E não troco de avião de jeito nenhum.
Juro
que esse raciocínio sempre me pareceu impecável, a mim que respeito muito os
obsessivos. Mas nesse dia me deu um estalo e comentei, imaginando passar uma
rasteira irrespondível nesse tipo obsessivo:
-
Mas tem também a história do sujeito que se salvou do desastre trocando de
avião no último momento.
-
Aí é que está! – ele se exaltou – Não deveria ter trocado de avião!
-
Mas ele se salvou! – exclamei, sem entender.
E
o obsessivo, eufórico e triunfante:
-
É claro que se salvou! Mas derrubou o outro avião!
Como
se vê, metafisicamente irrefutável.
Parabéns meu caro Roberto, pelo saboroso texto, como sempre. Abraços.
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