quarta-feira, 13 de junho de 2018

O celular e o canivete suíço





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Talvez alguns leitores não saibam o que seja um canivete suíço, criado pelo cuteleiro Karl Elsener em 1894, sujeito que deveria ser muito ansioso, pois queria ter nas mãos todos os instrumentos que pudesse precisar.
Tento explicar.
Quando menino nossas brincadeiras eram como ondas no mar. Iam e vinham em moto contínuo. Mas, embora as ondas sejam previsíveis, as brincadeiras não eram. Surgiam do nada, contaminavam a todos, virando mania. Depois, sumiam.
Havia o jogo de clica (ou bolinha de gude), o pião, coleção de figurinhas, a pandorga (ou papagaio), futebol de botão, sendo que a única brincadeira que não vinha em ondas e nem sumia sem explicação era o futebol de rua, jogado em chão de barro, com qualquer coisa que se assemelhasse a uma bola. Enfim, uma festa.
Perdi o rumo.  Deixei de explicar o que era o canivete suíço.
Era canivete, mas não era só isso. Os donos de um canivete suíço gostavam de abri-lo com orgulho, demonstrando as suas várias funções. Podia ser saca-rolha. Ou tesourinha de cortar unha. Lixa de unha, lupa, serra, alicate e, além de outras mil utilidades, canivete.
Confesso, um tanto constrangido, que nunca me interessei pelo canivete suíço. Pode ser uma falha geológica na minha formação, mas nada posso fazer.
Mas lembro do entusiasmo dos meus amigos manipulando o canivete suíço com a agilidade e elegância com que John Wayne sacava o revólver. Felizmente era apenas um objeto para exibicionismo. Feria no máximo a pose do garoto adversário que tinha um canivete menos espetacular.
Pois estava eu a pensar nessas inutilidades quando me veio à mente o celular. Esse besouro irritante surgiu numa onda incontrolável que ainda não parou de crescer. Virou mania, pois todo sujeito que se preze tem o seu e o exibe como pode, grudando o nariz na telinha, desinteressado do mundo em volta.
Podemos imaginar um sujeito que não use cueca ou uma mulher que não use sutiã. Tenho um amigo que jamais usou calça jeans por ser inimigo jurado dos EUA. Mas não podemos imaginar alguém sem celular. No futuro, imagino, os seres humanos sofrerão uma mutação e, no lugar de uma das orelhas, lhes nascerá um celular.
Pois o celular tem, além desse caráter maníaco-obsessivo, outras semelhanças com o canivete suíço.
Ele pode ser um calendário - que antes era de papel e ficava em cima da geladeira. E pode ser relógio, que ficava no pulso, ou despertador, que dormitava na mesa de cabeceira. Mas também pode ser rádio, capaz de alcançar estações mundo afora. E também agenda com todos os endereços e telefones de seus contatos, sendo que hoje nenhum de nós sabe mais o número do telefone de ninguém.
Com ele fazemos compras e nem precisamos ir ao banco para cuidar de nossos trocados, escutamos música, vemos vídeos, assistimos a filmes, escolhemos roteiros no trânsito e também trocamos diálogos inconfessáveis que deixo aos leitores imaginar.
Mas tem um porém. O canivete suíço, quando era usado como canivete, funcionava. Capaz de cortar, picar fumo ou servir de arma. Já o celular, quando o usamos como telefone, é um verdadeiro desastre. Ronca, fuça, chia, guincha, desliga, congela.
E custa caro.








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