sábado, 26 de janeiro de 2019

É a lama, é a lama, é a lama.




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A tragédia ocorrida em Brumadinho fez com que eu lembrasse uma lição que foi dada a mim e a meus colegas de ginásio por um professor irrequieto e inteligente chamado frei Odorico Durieux, que lecionava língua portuguesa no colégio Santos Antônio, em Blumenau.
Nós fomos em comitiva perguntar ao frei Odorico se ele poderia nos dar aulas particulares, pois estávamos em segunda época e a situação era crítica.
O frade, que era dado a muitos cacoetes, empinou o charuto na boca, enfiou as mãos na manga da batina e de lá retirou um lenço, com o qual enxugou com aflição o suor do rosto e da careca brilhante. E disparou, furioso:
- Vocês não tomam jeito! Só depois de a criança cair no poço, pensam em fazer uma tampa!
Estava dada a bronca, com o que aceitou dar as aulas particulares que nos salvaram, pois naquela época reprovação era para valer.
Pois em Brumadinho ocorre esse fenômeno no qual o Brasil parece se especializar. As tragédias não apenas ocorrem com regularidade como repetem tragédias anteriores. Uma xerox do ocorrido ontem. Um clone do desastre anterior. Um cover do fracasso da véspera.
Em várias situações temos visto a reprise do mesmo filme. Brumadinho replica Mariana, que repete os desabamentos em Niterói, os viadutos que desabam em São Paulo, o incêndio na boate gaúcha.
Os leitores não estranhem misturar um desastre numa boate com o deslizamento de terras ou de lama. Ocorre que, em todos os casos – e são muitos – há a presença de um fator desencadeante único.
Por falta de um cuidado necessário, uma desgraça ocorre. Isso é comum no Brasil, onde se pensa mais em tirar foto da inauguração do que em preservar a integridade do que foi feito. Os bombeiros não vistoriaram a boate Kiss como deveriam. As barreiras não foram avaliadas conforme era norma, tanto em Mariana quanto em Brumadinho. O poço foi deixado sem tampa por alunos displicentes.
Muitos barcos naufragam no rio Amazonas, onde, no entanto, outros barcos continuam saindo rio afora nas mesmas condições de insegurança, sem salva vidas e com superlotação criminosa. E novos desastres ocorrem, é claro.
Não se trata de acidente, portanto. Acidentes são imprevisíveis. Um tsunami ou a explosão de um vulcão ou um terremoto surgem sem controle e sem previsão. Por isso são acidentais.
Essas tragédias brasileiras, aí incluídas quedas de viadutos, o incêndio de um prédio ocupado caoticamente por sem tetos, a boate atopetada de revestimentos altamente inflamáveis, são fatores controláveis aos quais não de se deu a atenção e o cuidado devido.
Mas há outro fator. A leniência não só das autoridades, mas da própria sociedade brasileira, que tem horror às punições. A Vale do Rio Doce, os donos da boate Kiss, os líderes oportunistas do movimento dos sem teto, quem atestou que as represas eram seguras, são os responsáveis pelas tragédias e devem ser punidos, o que não ocorreu nos casos anteriores. Agora será diferente?
Eis o que precisamos mudar no país. Não se trata de questão episódica que envolva picuinhas partidárias ou pseudo-ideológicas; é uma questão visceral, interna à sociedade brasileira, sempre imersa na leniente cordialidade tal como analisou Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil.
Enquanto não nos convencermos do valor central do cuidado com a coisa pública e da exigência de que a punição aos que a ferem tem que ser exemplar, estaremos sujeitos à censura de um pequenino frade franciscano chamado frei Odorico, meu professor.
- Tomem tento! ralhava ele.









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