A tragédia ocorrida
em Brumadinho fez com que eu lembrasse uma lição que foi dada a mim e a meus
colegas de ginásio por um professor irrequieto e inteligente chamado frei
Odorico Durieux, que lecionava língua portuguesa no colégio Santos Antônio, em
Blumenau.
Nós fomos em comitiva
perguntar ao frei Odorico se ele poderia nos dar aulas particulares, pois
estávamos em segunda época e a situação era crítica.
O frade, que era dado
a muitos cacoetes, empinou o charuto na boca, enfiou as mãos na manga da batina
e de lá retirou um lenço, com o qual enxugou com aflição o suor do rosto e da
careca brilhante. E disparou, furioso:
- Vocês não tomam
jeito! Só depois de a criança cair no poço, pensam em fazer uma tampa!
Estava dada a bronca,
com o que aceitou dar as aulas particulares que nos salvaram, pois naquela
época reprovação era para valer.
Pois em Brumadinho
ocorre esse fenômeno no qual o Brasil parece se especializar. As tragédias não
apenas ocorrem com regularidade como repetem tragédias anteriores. Uma xerox do
ocorrido ontem. Um clone do desastre anterior. Um cover do fracasso da véspera.
Em várias situações
temos visto a reprise do mesmo filme. Brumadinho replica Mariana, que repete os
desabamentos em Niterói, os viadutos que desabam em São Paulo, o incêndio na boate
gaúcha.
Os leitores não estranhem
misturar um desastre numa boate com o deslizamento de terras ou de lama. Ocorre
que, em todos os casos – e são muitos – há a presença de um fator desencadeante
único.
Por falta de um
cuidado necessário, uma desgraça ocorre. Isso é comum no Brasil, onde se pensa
mais em tirar foto da inauguração do que em preservar a integridade do que foi
feito. Os bombeiros não vistoriaram a boate Kiss como deveriam. As barreiras
não foram avaliadas conforme era norma, tanto em Mariana quanto em Brumadinho.
O poço foi deixado sem tampa por alunos displicentes.
Muitos barcos naufragam
no rio Amazonas, onde, no entanto, outros barcos continuam saindo rio afora nas
mesmas condições de insegurança, sem salva vidas e com superlotação criminosa. E
novos desastres ocorrem, é claro.
Não se trata de
acidente, portanto. Acidentes são imprevisíveis. Um tsunami ou a explosão de um
vulcão ou um terremoto surgem sem controle e sem previsão. Por isso são acidentais.
Essas tragédias
brasileiras, aí incluídas quedas de viadutos, o incêndio de um prédio ocupado caoticamente
por sem tetos, a boate atopetada de revestimentos altamente inflamáveis, são fatores
controláveis aos quais não de se deu a atenção e o cuidado devido.
Mas há outro fator. A
leniência não só das autoridades, mas da própria sociedade brasileira, que tem
horror às punições. A Vale do Rio Doce, os donos da boate Kiss, os líderes oportunistas
do movimento dos sem teto, quem atestou que as represas eram seguras, são os responsáveis
pelas tragédias e devem ser punidos, o que não ocorreu nos casos anteriores.
Agora será diferente?
Eis o que precisamos
mudar no país. Não se trata de questão episódica que envolva picuinhas
partidárias ou pseudo-ideológicas; é uma questão visceral, interna à sociedade brasileira,
sempre imersa na leniente cordialidade tal como analisou Sérgio Buarque de
Holanda em Raízes do Brasil.
Enquanto não nos
convencermos do valor central do cuidado com a coisa pública e da exigência de que
a punição aos que a ferem tem que ser exemplar, estaremos sujeitos à censura de
um pequenino frade franciscano chamado frei Odorico, meu professor.
- Tomem tento! ralhava
ele.
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