Uma das características dos mitos é a banalidade.
De tanto tropeçar neles, somos levados a julgar que são naturais. De fato,
naturalizamos os mitos. Com o que eles adquirem vida própria.
Explicando o que penso: é nas fantasias
que criam a respeito de si mesmas que as nações e os povos se retratam mais
fielmente.
Penso em três figuras míticas criadas
pelos brasileiros: Jânio Quadros, Fernando Collor e Jair Bolsonaro.
Jânio era apenas um tipo extravagante
que naquelas eras anteriores à internet parecia circunscrito aos limites de São
Paulo. Era hábil em fazer caretas e usava um vocabulário que seria música aos
ouvidos de outro mito nacional, Rui Barbosa. Tratava-se de uma linguagem
supostamente erudita, cheia de mesóclises, adornada com penduricalhos arcaicos
e vocábulos raros, algo semelhante à gíria que falam os advogados em geral. Bebedor
profissional, era um individualista. Não se filiava a nada nem a ninguém. Como se
sabe, o mito é autossuficiente. Surgiu e desapareceu no cenário da política
brasileira com a velocidade dos relâmpagos. Era muito jovem para um presidente,
44 anos.
Fernando
Collor tinha os mesmos olhos fixos e nervosos de Bolsonaro. Olhar insano. Chegou jovem à presidência, 40 anos. Era um
desconhecido das longínquas Alagoas. Apresentava-se como um “caçador de
marajás”. Encantou multidões, inclusive uma estação de TV poderosa. O que
pensava e qual seu norte ideológico? Ninguém sabia. Sabia-se apenas que seria um
caçador de marajás capaz de fazer uma limpa na política brasileira. O que Jânio
ameaçara varrer com a sua vassourinha moralista, Collor faria com seu olhar
incendiário.
O terceiro mito dispensou disfarces,
catalogando-se como o Mito e arrastou seguidores e adoradores. Donde veio? Da
caserna e de mandatos legislativos em seu estado natal, o Rio de Janeiro, que
não tem produzido políticos de alto nível. Não tão jovem quanto os outros dois,
chega à presidência com 63 anos. Tem língua solta, tal como Jânio e Collor, se
bem que seu léxico e sua sintaxe não possam concorrer com o homem da vassoura,
estando muitos degraus abaixo. Fala aos arrancos. Dispara chavões. Bem
analisado, domina um vocabulário ralo e tem uma bagagem intelectual feita de
verdades prontas, como soe acontecer aos egressos da caserna.
Esse mito tem origem paradoxal: se
tornou possível pelas trapalhadas e vigarices do partido que acumulou o maior
número de desastres em nossa história, o PT, sem o que seguiria circunscrito aos
limites da Guanabara.
Bolsonaro não tem nada que possa ser
considerado um ideário filosófico e político. Sustenta-se em máximas da
direita, as mesmas que Trump adotou. Dispara frases e palavras, algumas óbvias,
outras disparates. Mas todas ao gosto de eleitores que, carentes de tudo, agarram-se
ao durão da vez.
Três extravagâncias que têm em comum a
reencarnação do Sebastianismo, mito nacional que prolonga o mito português. Dom
Sebastião, como se sabe, morreu em 1578 na batalha de Alcácer-Quibir. Ferido,
seu corpo não foi achado, o que deu origem à crença de que estaria vivo e que
voltaria para salvar Portugal. Nascia o mito do herói messiânico que iria redimir
a nação.
Quanto a mim, lembro Millôr Fernandes: “País
que precisa de um salvador não merece ser salvo”.
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