sábado, 11 de setembro de 2010

Sem medo do livro digital

Sempre que surge um novo meio ou uma nova tecnologia, emerge das profundezas humanas o temor de que mundo anterior seja destroçado. Os anunciadores de catástrofes adoram esses momentos, adoram anunciar o fim do mundo. Já aconteceu com a fotografia, que decretaria o fim das artes plásticas, com o cinema, que exterminaria com o teatro, com a televisão, que acabaria com o cinema. Quando os computadores chegaram à imagem, houve quem decretasse o fim da escrita. O monitor do micro seria um buraco negro para a palavra.

Mania antiga. Quando Gutenberg, em meados do século XV, criou os tipos móveis e revolucionou a história do livro, também enfrentou resistências. Dizia-se que essa nova arte de “escrever sem mão e sem penas” tinha algo de sobrenatural e diabólico. Não se temia o fim do livro anterior, mas a proliferação da nova tecnologia. O livro, até então caríssimo, deixaria de ser posse exclusiva de alguns nobres e o populacho passaria a ler, a dar palpites, a discutir idéias e... nunca se sabe onde isso pode parar.

Hoje sabemos que o computador não exterminou com a palavra. Pelo contrário, faz com que milhões de usuários escrevam e leiam textos na tela dos micros, seja em e-mails, blogs, sites, jornais e revistas on-line etc. Se muitos desses textos são toscos ou primários, é bom lembrar que no século XIX só Flaubert escrevia como Flaubert.

Assim, a palavra não morreu. Quem matou a charada foi Millôr Fernandes. Diante dos deslumbrados, que repetiam que uma imagem vale por mil palavras, ele desafiava: diga isso sem usar palavras. Silêncio geral.

O fato é que a palavra sobreviveu, assim como a pintura sobreviveu à fotografia, o teatro ao cinema, o cinema à televisão, a televisão ao computador. E é bom lembrar outro vilão que assombrou aos puristas: as histórias em quadrinhos. Meus professores costumavam esbravejar contra elas, que determinariam o fim da literatura e da inteligência, sendo a fonte da burrice das novas gerações. Deu-se o contrário: as HQs recriaram nosso imaginário e serviram de mote para novas invenções literárias.

Hoje, o fantasma da vez se chama e-book. Dia desses lá estava na televisão uma editora de livros assustada com o fantasma do livro eletrônico. Dizia ela que o e-book seria frio, não teria graça alguma, jamais poderia substituir o livro impresso em papel. Ao seu lado, um sujeito ligado à informática fazia argumentação contrária: o e-book não usaria papel e, portanto, não derrubaria árvores, podendo ser levado no bolso carregado com uma centena de títulos.

Acho que os dois erram, pois supõem que o e-book substituirá o livro impresso. Inúmeros tipos de livros jamais poderão ser editados numa telinha de 14 por 24 centímetros. Por outro lado, o e-book poderá evitar a derrubada de árvores, o que seria bom, mas não nos iludamos, pois, ao surgir o computador, também foi dito que se gastaria menos papel. O que aconteceu, com as impressoras conectadas aos micros, foi o contrário.

A questão é outra. Os editores temem não o fim do livro impresso, mas o fim de sua indústria, que terá que ser repensada. Temem que sumam – como aconteceu com a indústria fonográfica – os seus lucros. E o povo da informática faz de conta que o e-book não tem problemas, tais como telas cansativas e com má resolução, a questão dos direitos de autor, das traduções etc.

Lembro que já ouve outro fantasma nessa história, o livro de bolso. Quando foi lançado, decretou-se que o livro tradicional morreria. Não morreu. Hoje convivem edições de bolso e em outros formatos. No futuro, livros impressos e e-books deverão conviver, como o cinema com o teatro etc. etc. Atendem a usuários, a situações e a objetivos diferentes.

O e-book tem uma desvantagem. Nele se perde o contato físico com o papel, a tinta, o ato físico de virar as páginas. E não sentiremos o cheiro gostoso de um livro novo, que era por onde Hélio Pelegrino dizia começar a crítica literária. Mas, tem uma vantagem: a ausência de fungos em edições fac-similares, que poderemos ler tal como foram originalmente impressas. Os alérgicos – estou entre eles – agradecem comovidos. E me fascina a idéia de andar com uma biblioteca no bolso.

Enfim, todos sobreviverão. O pensamento catastrófico perderá mais essa.

4 comentários:

  1. Roberto

    É isso aí com vantagens adicionais inimagináveis, entre elas a acessibilidade possível a pessoas com deficiência.
    O livro digital é parte de uma tremenda revolução na Educação (EAD), comportamento, universalização cultural etc.
    Parabéns

    Cascaes
    12.9.2010

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  2. Guapo rapaz, amore de mi bida - terei que rever meus hábitos anti-bloguísticos, móde dar uma passadinha aqui todo dia. No mais ganhamos nós, teus ávidos & insaciáveis leitores. Seja bem vindo à blogosfera, seja lá o que isto queira dizer, hehehe...... Grande beijo, extensivo à excelentíssima família!

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  3. As reorbitadas que a tecno provoca. Consta nos alfarrábios de História que quando foi introduzida a mula para fazer o transporte da carga do litoral para o planalto curitibano, século XVI, rolou o maior peti entre os homens que até então traziam as cargas nas costas, em seus lombos.

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  4. Caro Amigo Roberto Gomes, como me julgo um Dom Quixote do Livro, sabes o quanto me assombrou esta onda que bem descreveste do aparecimento da e-book. Mas como disse, é só o assombro do aparecimento do novo suporte. Tenho constado no dia a dia a dia o aparecimento de novos leitores, pois justamente quando eles estão a frente de uma tela e tem de escrever algo, se sentem vazios e lembram de procurar um livro que os tire disso, e não existe, existem espaços a serem preenchidos dentro de si, faltam conteúdos, faltam argumentos, faltam histórias e isto não está num livro, está nos livros, nas leituras.

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