sábado, 23 de julho de 2011

Itamar Assumpção - O Nego Dito



Daquele instante em diante é um documentário comovente. Fui ao cinema querendo rever o músico excepcional, o compositor raro, a figura que sintetizou tantas coisas pelas quais lutamos, na arte e na vida brasileira. Tudo isso está lá, mas saí do cinema sentindo outra coisa: o filme é comovente.
Cumpriu-se o desejo de uma das filhas de Itamar – uma bela e doce figura de olhos lindos que abre seu coração de filha para pedir um filme que amenize suas saudades do pai. Não do compositor, não do sujeito tido como maldito, não do possível gênio. Mas do pai, do homem, certamente do amigo. Pois o filme faz isso.
Itamar – que passou a vida querendo se livrar da pecha de maldito à qual foi condenado – surge por inteiro. Inquieto, criativo, sem sossego. Apegado aos amigos, à família. Fissurado em buscar a perfeição. Inovador sempre. Brigão, irritadiço, brabo, explosivo. Amante de flores, sobretudo de orquídeas, que cultivava para presentear os amigos. Contraditório e coerente. Ríspido e carinhoso. Intransigente e incapaz de concessões. Desprezando o sucesso fácil junto às gravadoras e redes de televisão. Deixando de fazer shows lucrativos para dedicar seu tempo às suas pesquisas musicais. O fã incondicional de Bob Marley e de Miles Davis. O duplo de Ataulfo Alves, um duplo reinventado. A voz inconfundível. A pulsação africana.
Destaco duas coisas, que estavam perdidas em minha memória. A valorização do contrabaixo como o eixo em torno do qual tudo se passa. E o caráter autobiográfico de suas composições. Ele abriu sua alma e a deixou exposta em suas letras e músicas. Só ele seria capaz não apenas de criar seu duplo, o Nego Dito, mas também de, na última apresentação, no CCBB, pouco antes de falecer, criar um momento de sublime beleza, expondo em canção as dores que o levariam à morte.
Não foi maldito. Foi um homem digno e cabeçudo. Foi íntegro, como músico e como homem. Foi ignorado ou marginalizado não só por gravadoras, rádios e televisões, mas também por músicos da mesma geração – os mesmos que ignoraram outra figura notável, Tom Zé. Mas Tom Zé foi salvo por David Byrne e conseguiu reinventar sua carreira.
Itamar não teve a mesma sorte. Acho que morreu de tristeza, não de câncer. O país em que nasceu não o merecia.

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