Pois eu fazia minha
caminhada rumo ao Parque São Lourenço, quando à minha frente se materializou uma
senhora magra e muito branca, que andava meio torta, sacudindo com energia um
único braço, o esquerdo. Penalizado, achei que tinha um só braço, mas,
observando melhor, vi que o outro, o direito, estava recolhido junto ao ouvido
e, óbvio, segurava um celular. E a mulher magra e muito branca falava. Vestida
com fatiota de esportista. Falava sem parar.
Imagino que do outro
lado alguém a ouvia e também falava. Mulheres conseguem essa proeza: falam todas
ao mesmo tempo e não se desentendem porque não ouvem o que as outras dizem. Ou
se desentendem assim mesmo, não sei.
Em certos momentos, ela
falava mais alto e, em outros, em surdina. Ao falar mais alto, acelerava o
passo e me deixava alguns metros para trás. Quando abaixava a voz, diminuía as
pernadas e eu quase a alcançava. Quase, porque, ao notar que alguém se
aproximava, ela apressava a marcha.
Foi quando mergulhei em
lembranças a respeito do telefone, esse instrumento nervoso que sempre me
irritou. Quando ele era apenas um objeto pesado e negro que ficava num canto da
sala e era usado nas chamadas emergências, me parecia um guardião sinistro. Para
emergências. Ou em negócios sérios. Ninguém se sentia perdido no meio da rua ao
perceber que não havia um telefone à mão. No máximo, pensava que precisava falar
com fulano ou fulana. E telefonava mais tarde. Não raro, o motivo da conversa
vencia e não se telefonava nunca mais.
Agora, não. Dia desses,
almoçando, observei um casal na mesa ao lado. Ela fazia uma cara triste de
esposa entediada enquanto ele resolvia como uma carga chegada de São Paulo
deveria ser levada ao porto. Veio o garçom, fizeram o pedido, almoçaram e saíram
– ela com seu tédio mortal, louca quem sabe para se conectar a outro marido, e ele
com o celular grudado na orelha, discutindo toneladas e horários.
Noutra mesa, outro
casal. Ela, ao celular, avisou que estava de passagem pela cidade, na volta
talvez fizesse uma visita, enquanto que ele conversava com a senhora sua mãe,
aconselhando-a a não fazer nada. Não faça nada, mamãe, repetia ele, a cada três
minutos, durante os quais, suponho, a mãe desandava a falar, se é que parava
quando ele falava.
E não é bisbilhotice
minha. Seria impossível não ouvir o que falavam. Essa é outra das neuras
produzidas pelo celular: as pessoas falam alto, sobretudo em lugares como cafés,
restaurantes, salas de espera. Há uma sede insana de partilhar as conversas com
todo mundo.
Confesso que eu e o Manoel
Carlos Karam resistimos bravamente a ter um celular. Pelo que sei, ele nunca se
rendeu. Agora, tendo o Karam se mandado para outras vidas, eu gostaria de saber
o número do celular dele para conversarmos, mas me dizem que não há conexão
disponível. Gostaria de explicar a ele, meio envergonhado, que só adquiri um
celular depois que, numa madrugada, meu carro quebrou no meio do nada e me vi
isolado do mundo, sem socorro e com dois sujeitos que surgiram da escuridão
oferecendo seus préstimos.
Em outros tempos um
telefone era coisa rara. Corria até uma piadinha infame: se alguém aparecia de
paletó novo, um gaiato perguntava: vai telefonar para São Paulo? Telefonema
interurbano envolvia uma operação de rara estratégia. E paletó.
Quando eu – aqui em
Curitiba – e minha mãe – lá em Blumenau – queríamos conversar, trocávamos
telegramas. Dia tal, tal hora. Lá ia eu para uma agência da telefônica e ela
fazia o mesmo lá em Blumenau. Eu pedia uma ligação após preencher um
papelzinho. A telefonista – voz de telefonista e sempre de mau humor – informava
que não havia linha disponível, esperasse. Eu esperava. Sentava num banquinho e
abria uma revista velha. Vinte minutos depois era chamado ao telefone. Mal começava
a conversa, entre apitos e uivos não identificados, a linha caía. “Caiu a
linha, rosnava a telefonista. Volto a ligar?” Sim, respondia eu. E lá se ficava
uma hora ou mais para que eu pedisse o envio de um casaco, pois Curitiba, a
fria, estava congelando, ou para que minha mãe me perguntasse se melhorara da
gripe.
Nos dias que correm suponho
que existam bilhões de motivos para se ficar ao telefone. Nada pode ser adiado.
Tudo é imediato. Tudo é urgente. As multidões andam pela rua com o celular na
orelha, às vezes com dois. Tropeçam nos passante e na paisagem. Quando não
falam, passam mensagens, apertam botõezinhos.
Por isso não fiquei
surpreso quando a atriz Bree Olson, revelou dia desses que seu ex-namorado, o
doidão Charlie Sheen, costumava tuitar enquanto eles faziam sexo.
Fico pensando: faziam
sexo? Como assim?
Bom, pode ser. Eu não
entendo nada de twitter.
Como sempre, e como em tudo, há controvérsias...
ResponderExcluirA entrevista da Lígia Guerra, acabada ainda há pouco (07h28 -30/08) trata desse e de outros meios de comunicação (o twitter, inclusive) e nos leva - assim como o presente texto - a refletir seriamente sobre os prós e os contras da comunicabilidade, tanto virtual como interpessoal, nos dias de hoje.
O vídeo da conversa semanal com a psicóloga Lígia Guerra, citado no comentário anterior, pode ser acessado em http://g1.globo.com/videos/parana/bom-dia-pr/t/edicoes/v/tecnologia-amor-e-privacidade/2113939/.
ResponderExcluirPenso que vale conferir; não vai contra nem a favor do que escreveu o prezadíssimo Roberto Gomes, é claro! Sobretudo porque, na coluna desta quinzena, o cronista - me parece - está querendo somente fazer valer seu olhar pessoal sobre esse amigo - às vezes incoveniente - que é o celular. É só pra refletir, mesmo!