Segunda feira passada acordei
pensando: acabou. Confesso que em seguida me senti meio culpado, um tanto
cruel. Esqueci o assunto e fui fazer meu café.
Mas, quando sai para
comprar pão, encontrei um vizinho sorridente. Ele me cumprimentou, com ares de
triunfo:
- Acabou!
Já não me senti tão
cruel. Mas fiquei pensando na razão pela qual festejávamos o fim da campanha
política. Pode ser óbvio: nossa paciência chegara ao limite. Mas não é tão
simples. Por isso arrisco duas explicações, talvez três.
Uma é o voto
obrigatório. Trata-se de uma distorção violentíssima. Obrigar a votar é típico
de país autoritário, no qual tudo deve ser legislado de cima para baixo. Um
país no qual não se acredita em liberdade nem em educação nem em cidadania. Fora
os iluminados legisladores, considera-se a população um bando de tontos.
Por outro lado, voto
obrigatório abriga uma contradição nos termos. Voto é um direito conquistado,
nas democracias, depois de muitas lutas. Sendo um direito, cabe a cada cidadão decidir
se o exerce ou não. Caso contrário, deixa de ser direito, torna-se dever.
Vejamos. Todos têm
direito à vida, mas ninguém pode ser obrigado a viver. Ou deveríamos condenar
os suicidas à prisão perpétua? Tenho direito de ir e vir, mas posso abrir mão
dele e viver num cantinho com um violão. Tenho direito de casar, constituir
família, ter filhos. Mas não posso ser obrigado a isso.
Assim, obrigar a votar
é negar o direito de votar.
Não bastasse, a
obrigação gera currais eleitorais, conduz às urnas quem teme levar multa ou ser
chateado pela burocracia. A venda de votos é decorrência da obrigação de votar.
Candidatos desonestos compram votos oferecendo dentaduras, cadeiras de rodas,
óculos, dinheiro. Um cidadão consciente, que vai votar por convicção, não
venderá jamais o seu voto.
Mas há outro motivo que
me fez festejar o fim da campanha política. Trata-se do modo como são feitas.
Tudo se resume a uma avalanche de promessas. Um fará o metrô, outro construirá
hospitais, outro abrirá os cofres do governo para isso ou aquilo, asfaltará
ruas, inaugurará novas escolas etc.
Tivemos eleições
municipais, mas em nenhum candidato se percebe uma concepção do que seja a
cidade. Como funciona uma cidade? O que a move? O que é nela essencial? Que
carências, urgências, exigências, ela, a cidade, tem? Que cidade é hoje
Curitiba, com seu tamanho e problemas? É viável que cresça? Como?
Na falta de uma concepção
de cidade, tudo se resume a promessas que são jogadas no vídeo como palavras de
ordem oportunistas. Fico imaginando: se um dia um editor do programa eleitoral
tomar um pileque e misturar o áudio e o vídeo dos candidatos, ninguém notará
diferença. São todos iguais. Quem não quer mais escolas, hospitais, asfalto,
calçadas, creches, transporte coletivo eficiente? O problema é saber como
estabelecer prioridades, por onde começar, com que recursos e caminhando em que
direção.
Ao invés disso, temos a
enxurrada de promessas e o jogo de imagens. As campanhas valorizam o bom
mocismo de um, os bons propósitos de outro, os feitos passados desse, a
sinceridade daquele. Nada se discute. Aliás, isso se deve ao fato de que políticos
são esponjas que absorvem ideias e projetos aleatoriamente sem avaliar no que
elas implicam. Avaliam apenas se aquilo fará bem a sua imagem, rendendo votos.
De pensar eles se dispensam, já que se dirigem a pessoas que, ao ver deles, não
pensam. E quando um político ameaça pensar, sempre aparece um marqueteiro que o
demove dessa temeridade.
Mais uma razão: o voto facultativo
é praticado em cerca de duzentos e cinco países, entre eles, França,
Inglaterra, Estados Unidos, Japão, Índia, Alemanha, Rússia, Itália, Canada,
Espanha, México. Dos vinte e quatro países que adotam
o voto obrigatório, treze estão na América Latina, o que é mau sinal.
O voto facultativo
poderia ter um alto valor político e educativo: ajudaria a dissolver o tradicional
espírito servil brasileiro, gerando a verdadeira cidadania.
Mas o prezado leitor já
viu algum político ou partido defender o voto facultativo?
Pois é. É isso que
cansa. Felizmente acabou.
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