Isso vai dar um bode danado, pensei eu, o ingênuo.
Acontece que no dia 9 passado o governador do Ceará, Cid
Gomes, desceu de jatinho no aeroporto Internacional de Salvador, e, ansioso em
chegar ao encontro com a presidente Dilma, ordenou que o piloto parasse seu avião
no meio da pista, atravessando 45 metros a pé, disparando pânico entre
controladores de voo e nos aviões que aguardavam na fila para aterrissar.
O fato é singelo e mostra, em profundidade, como os
poderosos consideram as leis e códigos que vigoram no país. Seja uma fila, uma
pista de aeroporto, uma concorrência pública, eles atropelam leis e códigos e
fazem o que lhes dá na telha, movidos por prepotência e ego inflado. Estão
acima das leis.
O caso, que eu imaginava que fosse desencadear amplas discussões,
não teve repercussão alguma, ainda que a Agência Nacional de Aviação Civil
(Anac) tenha declarado que iria “apurar as responsabilidades”. Como sempre.
Agora, juntemos a esse exemplo singelo outro fato já apagado
da memória nacional. Quando o banqueiro Daniel Dantas foi algemado ao ser preso pela operação Sathiagara, levantou-se polêmica enorme. Discursos, entrevistas,
debates no Congresso. O STF resolveu, com Gilmar Mendes na vanguarda, que
algemas não podem ser usadas, pois o suspeito ainda não foi julgado etc. O fato
de que desde sempre ladrões pobres são algemados nunca comoveu a deputados e
senadores e juízes. Mas um dono de banco ser algemado, jamais!
Como se não bastasse, agora se agita novo burburinho entre
os políticos. Trata-se do estado das cadeias no Brasil. São imundas. Sórdidas.
Desumanas. O ministro da justiça, José Eduardo Cardoso, sob cuja jurisdição elas estão, disse, fazendo
pose de homem muito espirituoso, que preferiria a morte do que ser trancafiado
nelas. Comovente, não é?
Pois o ministro e outros só passaram a se preocupar com o
estado lamentável das prisões após o STF condenar alguns de seus companheiros.
Desde sempre as prisões brasileiras foram a calamidade que todos conhecemos,
mas só agora suas excelências se preocuparam com o assunto. Tadinhos dos
companheiros que forem trancafiados, não é mesmo? Como colocaremos Zé Dirceu
numa cadeia? Seria cruel demais. Tese subjacente: melhor seria prisão
domiciliar.
Assim as coisas giram no país. Todos os que amealham uma
nesga de poder se sentem acima do bem e do mal e das normas aeronáuticas e
terrestres. Acham que as leis são para os outros. Que seus punhos delicados não
devem ser violados por algemas. E, se forem em cana, deveremos providenciar
cadeias perfumadas com serviço de quarto de hotel cinco estrelas para os
companheiros.
Eu fui ingênuo em achar que o caso de Cid Gomes iria
desencadear grande polêmica. Mas uma coisa eu tenho escrito há muito tempo:
somos governados por delinquentes. Os comportamentos dos políticos e das classes
dirigentes brasileiras são transparentes e não deixam dúvidas. Quem manda está
acima das leis e o populacho que se lixe.
Não me lembro agora do nome do filósofo que disse que "a essência da imoralidade está no fato de o indivíduo se considerar exceção a todas as regras". É o que acontece com esse pessoal que está encarapitado no poder.
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