Foto de Lu Berlese da série A mulher do tempo |
As mulheres me pareciam
criaturas demasiado inquietas e assustadiças. Segundo meu olhar de menino, estavam
sempre agitadas, sobrecarregadas a varrer, limpar, cozinhar, tagarelar com as
vizinhas, cheias de ansiedades e preocupações. E falando sempre e muito.
Em oposição, eu via meu
pai quieto e concentrado, dobrado sobre seus papéis. Numa fase da vida ele foi
jornalista e escrevia para os jornais nos quais trabalhava, noutra fase conferia
montanhas de notas fiscais de uma campanha da época, chamada Seu talão vale um
milhão. Era então funcionário da fazenda estadual e tinha por função conferir
se alguma empresa não cometia algum trambique.
É claro que meu pai
muitas vezes se agitava, sobretudo ao encontrar amigos e comentar com eles seus
temas favoritos, a política, as intrigas da situação e da oposição – ele ora
estava numa, ora noutra, nunca entendi muito bem como isso funcionava. No
entanto, na maior parte do tempo estava quieto na escrivaninha, curvado,
escrevendo, conferindo.
Já as mulheres, entre
elas minha mãe, não paravam quietas.
Uma das preocupações
dela e de suas amigas era com o tempo.
- Dona Ondina! -
gritava uma vizinha chamada Marlene, uma professora de educação física que
tinha um rosto feíssimo e um corpo esplendoroso, o que me deixava duplamente
estarrecido.
Minha mãe abria a
janela:
- Diga, Marlene.
- Será que vai chover,
dona Ondina?
Aí começava o ritual. Minha
mãe, como todas elas faziam, rodava o olhar pelo céu e matutava um diagnóstico
das possibilidades de temporal.
- Tá com cara, dizia
ela.
- Aí, meu Deus, gemia
Marlene, enquanto eu olhava para o corpo esplendoroso, evitando o rosto
feíssimo – acho que nem coloco a roupa no varal.
Minha mãe lembrava:
- Já perguntou pra
Rita?
A Rita era tida como
especialista. Quando perguntavam a ela a respeito do tempo, fechava a cara
sisuda de alemã, cruzava os braços e investigava as quatro direções da rosa dos
ventos. Levava nisso alguns instantes, balançava a cabeça e decretava:
- Vai chover. Não dá
uma hora.
- Ai minha nossa! – era
Marlene, sempre aflita – O que faço da minha roupa?
Dona Rita, como se vê,
era capaz de alcançar, lá longe no horizonte, uma nuvem mais escura que,
segundo os ventos da hora, iria crescer e desabar sobre a cidade como temporal.
Tão precisa era nisso que passava a impressão de que suas previsões governavam
o tempo: ao serem flagradas por ela, as nuvens faziam o que dona Rita decretava
e, fosse o caso, despencavam um aguaceiro.
Eis o que eu não
entendia, além da beleza de corpo e da feiura de rosto da Marlene. Aliás, a
beleza eu entendia, não entendia a feiura. Eu pegava meus carrinhos, meus
soldadinhos e ia brincar nos fundos do quintal, com uma pergunta na cabeça: por
que diabos aquelas mulheres viviam aflitas a respeito do tempo, da chuva, dos
ventos, da roupa a secar? Não tinham mais o que fazer?
Claro, foi preciso
algumas décadas para que eu, agora morando sozinho e tendo que cuidar de mim e
de minhas roupas, pudesse me flagrar atento aos movimentos das nuvens, sua
densidade e coloração, os ventos que as conduzem, matutando se devo ou não
colocar a roupa no varal. E perguntando:
- Será que chove?
Não posso esticar o
pescoço e perguntar a nenhuma dona Rita se vai ou não chover. A janela mais
próxima fica no outro lado da rua, em outro edifício, e lá, pelo que sei, não
há nenhuma Rita sabedora de ventos e tempestades. Estou sozinho nessa tarefa
meteorológica. No entanto, agora entendo porque meu pai podia ficar quieto e
concentrado diante da escrivaninha enquanto as mulheres se agitavam a troco de
nada.
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