Há muito penso escrever
uma crônica com o título acima.
Mas sempre desisti. Escrevendo
em jornais estamos expostos a uma vigilância permanente e alguém poderia imaginar
que não passo de um debochado ao me dizer um santo, mesmo que no diminutivo.
Outros iriam além: eu mergulhara em surto delirante e deveria ser trancafiado,
além de expulso desse retângulo que ocupo nessa página a cada quinze dias.
Desisti.
Quer dizer: não
desisti, tanto que volto à mesma ideia que me persegue há um bom tempo.
Vejamos.
É mais ou menos assim.
Como tenho visto uma
quantidade assustadora de pecados nesse mundo de Deus, faço minhas avaliações e
concluo que meus pecados – aliás, pecadilhos – são de pequena monta. Até insignificantes.
Pobrinhos.
Por exemplo: nunca trafiquei
drogas, nunca fiz contrabando, nunca devastei florestas nem falsifiquei remédios
que curariam câncer, caspas ou melancolia. E, acima de tudo, nunca matei
ninguém, nem mesmo de rir, ou me apossei de dinheiro público, que é de todos e
respeito muito.
Ao pensar nessas
coisas, lembrei-me da minha primeira comunhão. Era um trabalhão enorme arrolar
os pecadilhos de que era capaz, arrumá-los numa ordem decente e sem palavreado
chulo, pois não queria causar qualquer assombro aos padres que me ouviam atrás
daqueles gradeados do confessionário.
Aliás, eram padres
curiosos. Um deles era grandalhão e se limitava a resmungar, a cada pecadilho
revelado por mim, um entediado - eis uma palavra apropriada aqui – muxoxo:
- Hum-hum.
E era só. Eu confessava
tomando todos os cuidados para não parecer nem afoito nem mentiroso. E ele:
- Hum-hum.
Depois de outros
pecadilhos avulsos e inofensivos, eu era liberado com a tarefa de rezar alguns
padre-nossos e, sempre, uma ave-maria no arremate.
Havia também um padreco
nervoso, de mãos inquietas, que não parava de coçar o queixo. A cada confissão
minha, ele repetia:
- Sim. E que mais?
Desconfio que não se chocasse
com meus pecadilhos de menino, de tal forma que, estando ele atento do outro
lado do gradeado, eu lascava alguns pecadilhos de improviso, pretendendo tornar
meu relato mais apimentado. E ele:
- Sim. E que mais?
Um dia, chateado com a
falta de impacto de minhas modestas confissões, lasquei uma revelação:
- Minha prima passou o
fim de semana lá em casa.
Silêncio. Repeti a
frase. E ele:
- Sim. E que mais?
Desisti. Expliquei que
brincamos muito, corremos pela rua, jogamos amarelinha na calçada. Fui liberado
com um padre nosso e uma ave-maria.
Hoje, ao pensar na
minha capacidade de pecar, não encontro nada que se compare aos crimes que
ocupam a mídia. Nada de desfalques, administração temerária, suborno ou formação
de quadrilhas. Nenhum preconceito ou violência. Nunca matei ninguém. Roubei,
mas só laranjas no quintal do vizinho. Creio que sou incapaz de pecar. Minto um
pouquinho quando isso agrada ao próximo, pois, como se sabe, sem mentiras é impossível
escrever ficção. Não desejo mal a ninguém, exceto a uns canalhas notórios que –
até Deus concordaria – merecem uns cascudos.
Enfim, diante dos tempos que correm me sinto quase virginal.
Enfim, diante dos tempos que correm me sinto quase virginal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário