Em
qualquer briga, luta, disputa, encrenca de vizinhos, bate-boca de condomínio,
briga de rua ou de marido e mulher, pega entre dois vira-latas de rua ou entre
dois brutamontes num ringue, ocorre um fenômeno universal: qualquer sujeito
normal torce pelo mais fraco.
Não é assim no futebol, ao menos por parte dos narradores e comentaristas.
Os
exemplos são muitos, o mais óbvio sendo a pecha de time “pequeno”. Dia desses, o
Ituano derrotou o Santos e vai para a final com vantagem. Antes, derrubou os
“grandes” Palmeiras e São Paulo, além de deixar o Corinthians para trás. No
entanto, continua sendo tratado como “time pequeno”, enquanto que os outros
três são “times grandes”.
O
Ituano é um clube que poderá ser chamado de modesto, do interior, de baixo
orçamento e até mesmo de clube pequeno. Agora, se esse time vence e chega a uma
final, se derrota adversários por seus próprios méritos, jogando bem e de forma
competente, não é pequeno. É, no mínimo, um bom time de futebol.
No
entanto, narradores e comentaristas, às vésperas de um confronto entre
“pequenos” e “grandes” gastam o tempo anunciando a superioridade do grande que,
por isso, é o favorito que só será derrotado se der zebra. Durante a
partida, eles não cansam de sugerir o que o “grande” deveria fazer para ganhar
o jogo. Quando o “grande” começa a afundar, eles sugerem mudanças, acham que o
“grande” deveria fazer entrar esse ou aquele jogador e, como aconteceu depois
do jogo entre Ituano e São Paulo, surge alguém dizendo que:
-
Time que não ganha do Ituano vai ganhar de quem?
Pois
é. Além disso, gastam tempo analisando os orçamentos dos times, quanto ganham
seus jogadores, notam que o craque do “grande” ganha mais do que o time inteiro
do “pequeno”.
Nessa
lógica cegueta, o grande é o de maior orçamento e deveria ganhar sempre.
E
os comentaristas gastam a paciência e o tempo dos ouvintes “analisando” as
razões pelas quais o grande perdeu. Ora, que tal analisar o modo como o time
vencedor jogou? Que tal indicar quais, no vencedor, são os jogadores chave e
por qual razão? Que tal demonstrar que o vencedor teve um preparo físico
melhor, ou um esquema de jogo melhor, ou mais vontade de ganhar? Que tal
imaginar que a defesa ou o ataque do grandão não funcionou porque a defesa do
pequeno foi eficiente por isso ou por aquilo?
Daí
a conclusão: time tido como grande ou ganha ou perde ou empata. Jamais é
vencido. Já o time chamado de pequeno só perde; se marcar mais gols do que o
adversário, foi o grande que perdeu.
O
futebol é parte da vidinha que levamos e não poderia ser diferente dela, poderíamos
pensar. Não concordo. O futebol, sendo um jogo que simula uma guerra, poderia
perfeitamente se colocar acima dessa lógica frouxa. O chamado pequeno muitas
vezes ganha. Sou de uma geração que assistiu ao vivo e a cores os poderosíssimos
Estados Unidos da América do Norte serem derrotados pelos nanicos vietnamitas.
Os
comentaristas poderiam – abandonando essa dualidade grande x pequeno – ser mais
inteligentes e analisar o que ocorre dentro das chamadas quatro linhas. Quem
jogou melhor, quem se preparou adequadamente, quem se empenhou mais, quem teve
mais sorte – que é parte do jogo - quem mereceu ganhar. Seja grande ou pequeno.
Ajudariam a abandonarmos a ideia equivocada de que, seja qual for o jogo, o grande deve
predominar. Isso melhoraria a inteligência a respeito do jogo. Torcer é coisa
da torcida, é a alma da torcida, a sua paixão. Jornalistas deveriam agir não
com a paixão, mas com o cérebro.
No
Brasil isso se complica e me atrevo a lembrar da distinção feita por Sérgio
Buarque de Holanda, que desenvolveu uma afinada – e muito mal entendida –
interpretação a respeito do caráter brasileiro. Disse ele que o brasileiro é um
povo cordial – o que foi entendido erradamente como um povo pacífico, de paz, submisso
etc.
Nada
disso. Cordial, explicou o Sérgio Buarque de Holanda, vem do latim cor/cordis, que significa coração. Nós
teríamos a tendência de agir pelo coração, pela cordialidade, deixando-nos levar
pela emoção – o que pode conduzir a extremas violências ou injustiças, é bom saber. Já outros
povos, digamos o inglês – ou pelo menos o Sherlock Holmes... – agem pela razão.
Mesmo
um jornalista teria algo a aprender lendo Raízes
do Brasil. Insistir em torcer para os “grandes” é incompetência e, no
mínimo, suspeito. O que importa, dizem os boleiros, é o jogo jogado.
Advirto:
não sou torcedor do Santos nem do Ituano, embora tenha espontânea simpatia
pelo time da Vila. Afinal, sou de uma geração que viu Pelé ao vivo e a cores. A
verdade é que o Ituano ganhou e o Santos perdeu. Nessa partida o “grande” teria
sido o Ituano, houvesse grande.
O
resultado da final, no dia 13, domingo próximo, será outra história.
Ou não.
Amigo Roberto. Até assisto uns jogos de quando em vez, porem não fanaticamente. Agora uma coisa é certa: ouvir comentarista de futebol é pior que ouvir a voz do Brasil repetidas vezes. Os caras querem resolver o que já aconteceu e não tem solução e nos obriga, ou melhor, aos tontos que ficam assistindo/ouvindo eles discutindo entre si. E acham que tem razão. Me poupe.
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