domingo, 1 de fevereiro de 2015

O que diria Molière dos médicos atuais?





"Morreu de quatro médicos e dois farmacêuticos"
(Jean Baptiste Molière - 1622-1673)



Tenho boas lembranças de médicos que me atendiam quando menino.
Doutor Balsini era magro, desajeitado e de um bom humor notável. Conversava, deitava na cama a meu lado e fazia palhaçadas enquanto, sem eu notar, me examinava. Eu ria e, por milagre, melhorava antes de tomar os remédios.
Homem mais sisudo, doutor Câmara era de igual competência. Pai de um amigo meu, Gastão, hoje médico homeopata em Joinville. Doutor Câmara sondava meus modestos males com exames de garganta, nariz, ouvidos, cutucões na barriga. Ríamos muito, enquanto minha mãe nos observava à distância:
- Duas crianças, dizia ela, repetindo o mesmo comentário quando o médico era o doutor Balsini.
Dois médicos célebres na Blumenau daqueles tempos – cidade que hoje só existe na minha memória. A eles acrescento Carlos Augusto de Souza, meu amigo e pediatra do meu filho e de minha neta, além de meus irmãos Cid e Élia. Médicos de uma escola antiga, calmos, compenetrados e serenos. Os três ainda na ativa.
Devo dizer que a sorte tem sido favorável comigo e até hoje precisei pouco de médicos. Para males menores, desses que se resolvem com um analgésico, um antiácido ou um anti-inflamatório. Nada de mais complicado. Como todo hipocondríaco, tenho saúde de ferro. Até o momento.
E acrescento: sei de outros médicos atuais que merecem aplausos e respeito.
Mas, como dizia João Antônio: sempre tem um porém.
Hoje saí de uma consulta com a sensação de que eles mudaram. São nervosos, agitados, gostam de papéis e de carimbos, de fichários e de uma tela e de um teclado de computador. Tenho a impressão de que errei de porta e que estou diante de um gerente de banco.
Criaturas afobadas que evaporam em poucos minutos. Fui apresentar a ele a minha rinite alérgica. Ao surgir no corredor da clínica, que parece um shopping, já o identifiquei. Corria, formulários nas mãos, engomado num jaleco branco, braçadas ao vento. Entrou no consultório, examinou o celular. Depois, olhou para a tela do micro e me chamou.
Eu esperara quarenta minutos e fui atendido em menos de cinco. Perguntou o que não ia bem, falei da rinite, ele interrompeu dizendo que não tem cura mesmo, talvez fosse necessária uma cirurgia. Sente-se aqui, disse. Sentei numa cadeira enorme, ele enfiou um tubo em minhas narinas. Retornou ao teclado e digitou velozmente.
Não me perguntou nada. Com o que trabalho, se não trabalho, como ocorrem as crises de rinite. Por reflexo, informei coisas que não perguntou. Falei de um remédio que tomo.
Não se abalou. Acho que nem ouvia. Digitava. Imprimiu a receita. De longe adivinhei os três remédios que lá estavam – meus conhecidos de outras consultas, deve ser protocolo. Lembrei a ele que um deles, com pseudoefedrina, me deixa insone. Surpreso, rabiscou outro remédio sem a droga e me deu a receita.
Cinco minutos. Levantou-se e, num segundo, estava na porta do consultório com a mão protocolar estendida na minha direção:
- Passe bem. Se não melhorar, pensaremos na cirurgia.
Ah, sim, a cirurgia. Gostam muito de cirurgias. Também gostam de longas listas de exames segundo o protocolo. Sai calado. Melhor assim.




2 comentários:

  1. Oi Roberto, venho através do blog da Taís.
    Aquele teu conto é realista "por demais" cara... Deu medo, hahahaha!
    Que bom que tu tem essa sorte. Eu tenho problemas neurológicos e psiquiátricos, portanto, minha lista de exames, visitas a clínicos gerais, neurologistas, psiquiatras e psicólogas não é um histórico curto.
    E infelizmente, não conheci nenhum médico como os primeiros mencionados. Todos são muito parecidos (idênticos, eu diria) ao último personagem que, infelizmente, não se trata de um personagem fictício.
    Tem se tornado um personagem típico na nossa realidade.
    Alguns até disfarçam na primeira consulta, tive um assim e daí a decepção com o descaso depois foi ainda maior. Minha mãe está se recuperando disso até agora. rs.
    Eu já sempre estou esperando pelo pior.
    Psiquiatra mesmo, parecem robôs, pegam sintomas e vão te usando como cobaia, mudam teu CID toda hora, de acordo com o coquetel (sim, coquetel!) de medicações que te prescrevem, aumentam mgs de psicotrópicos e ansiolíticos aqui, pedem para retornar, ajustam as dosagens ali, pedem para retornar e te tornam um verdadeiro protagonista de The Walking Dead (que Normam Reedus não me leia ou aparecerá aqui para me exterminar).
    E psicólogas, essas talvez sejam as piores! O ofício já é tenso: pagar para alguém ouvir teus problemas.
    E tal pessoa não tira os olhos do relógio.
    Sabe, se eu fosse estudar Psicologia, eu teria uma ideia brilhante de colocar um relógio enoooorme à minha frente e, disfarçadamente, ir controlando o tempo antes de "despachar" o cliente (é, elas não gostam de chamar de pacientes, talvez porque não sejam doutoras) pois olhar de 5 em 5 minutos enquanto finge que está te escutando é tão deselegante!
    Cara, eu escrevi um livro aqui no teu primeiro post, mas faço isso quando o texto é bom.
    Beijos e bom fim de semana.

    ResponderExcluir
  2. Bom dia Roberto.
    Por acaso encontrei o seu blog, fiquei encantada pela maneira que escreve, nessa postagem abordou um assunto muito importante, confesso que achei essa sua frase ;Tenho a impressão de que errei de porta e que estou diante de um gerente de banco, completamente correta, é assim mesmo que as vezes sentimos em frente a um profissional relapso. Eu sou portadora de uma doença rara, feocromocitoma, passei por inúmeros médicos que me deram diagnósticos errados, com isso quando finalmente encontrei médicos que deram importância aos meus sintomas, passaram exames específicos para mim já era tarde para a cura. Fiz um blog relatando a minha evolução para alertar outras pessoas sobre essa doença, justamente porque acho os médicos de hoje são movido por interesse monetários, muitos se formam pelo statos, tendo pouco interesse de pegar um bom histórico do paciente, ouvir as suas queixas, com isso muitas vezes dando diagnostico equivocados. Confesso também que também dei muita sorte com muitos médicos que me acompanharam ao longo da minha vida, muitos eram como antigamente, médicos atenciosos e que se importava de fato com a vida que tinha sobre os seus cuidados, a esses e ao meu atual medico devo com certeza a minha vida e a minha qualidade de vida. Quanto a rinite, me atrevo a sugerir uma fronha alérgica [Em salvador compro na paulistinha] é fronha para acaro, foi com ela que finalmente a minha rinite foi controlada, vivia espirando, congestionada agora a minha melhora é visível.
    Desculpa-me pelo comentário longo, um feliz domingo.
    Abraços.

    ResponderExcluir