sábado, 24 de janeiro de 2015

Um poema de Ferreira Gullar melhora qualquer dia





Traduzir-se


Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?



2 comentários:

  1. Desde Gil Vicente, e revisitado por Drummond, todo mundo e ninguém assombram a vida e o imaginário de todo mundo. Penso que ninguém está livre disso.
    Gullar se diz ambos e, em algum momento de nossas vidas, sentimo-nos como o peta:
    “Uma parte de mim
    pesa, pondera:
    outra parte
    delira.”

    Beleza de poema pro anoitecer de um sábado!

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