"He cometido el peor de los pecados que un hombre puede cometer. No he sido feliz." (Jorge L. Borges) |
Ele se chama Carlos e ela
se chama Helena.
Conheceram-se há muitos
anos, quando eram jovens, belos e, como todos os jovens, eternos. Ocorre que
não se viam há...
- Muito tempo, sorriu ele.
- É bom nem pensar
nisso, disse ela.
Riram os dois, fazendo
contas que não revelaram um ao outro. Estavam na entrada do colégio à espera da
saída dos alunos. Ele fora buscar o filho e, ela, a neta.
- É verdade, disse ela,
já tenho neta.
- Incrível.
- E seu filho?
Como se precisasse se
desculpar, ele explicou que casara muito tarde, talvez tarde demais, era um pai
quase velhinho.
- Velhinho? Imagine!
Você está muito bem.
- E você... perdão,
continua linda.
Soou o primeiro sinal de
saída de alunos.
- O primeiro sinal,
disse Carlos, sem saber o que dizer.
Helena não pareceu
ouvir, os olhos perdidos no final da rua, um sorriso nos lábios. Ele observou
que ela parecia mais jovem e bonita. Perguntou:
- Está pensando no quê?
- Ah, desculpe. Eu...
- Estava muito longe
daqui, comentou Carlos.
- É verdade. Lembrando
de um baile.
- Foi longe, então. Já
não existem bailes há muito tempo. Não aqueles.
- Você lembra do tango?
- Que tango?
- O tango que dançamos.
Todos pararam para ver. Fomos aplaudidos. Não lembra?
Carlos não conseguiu
evitar a gargalhada:
- Eu, tango? Sou o pior
dançarino do mundo, quanto mais tango! Você foi com outro namorado nesse baile.
Helena balançou a
cabeça:
- Nada disso. Lembro
como se fosse hoje. A orquestra, a nossa turma, meu vestido novo, vermelho. E
você metido num terno azul escuro.
- Não era eu. Eu não
tinha terno.
- Não brinque. Veio até
a mesa, me cumprimentou e me convidou para dançar. Naquele tempo era assim,
lembra?
Foi quando Carlos lembrou.
O terno do irmão. A mesa com refrigerantes e algumas flores. Quando se
dirigiram para o salão ele disse que ela estava tão linda quanto aquelas flores,
frase que lhe pareceu ridícula e da qual se arrependeu, envergonhado. Ela
sorriu.
- Mas eu não sei dançar
tango, Helena.
- Foi o que me disse
naquele dia.
É verdade. Dissera: eu
não sei dançar tango. Aliás, não sei dançar nada, sou um desastre, completou
com convicção.
- Eu também disse que não
sabia dançar tango.
Os dois riram.
- Foi o tango mais
maravilhoso da minha vida – disse Helena. Jamais esqueci.
O segundo sinal soou,
os dois aproximaram-se do portão. A primeira a chegar foi a neta de Helena,
correndo. Mais atrás, arrastando uma mochila, o filho de Carlos.
Despediram-se. Helena
atravessou a rua com a neta. Carlos acompanhou o filho pela calçada. Quando
chegaram ao automóvel, o filho perguntou:
- Quem era aquela
mulher, pai?
- Uma dançarina.
- Dançarina?
- De tango. A melhor
que conheci.
Meu caro Gomes, sempre gostei de ler e de reler. Aliás, novidade/singularidade nenhuma nisso! Leitores sempre o fazem. Alguns, à exaustão.
ResponderExcluirVerdade que os motivos de minhas releituras se foram modificando com o tempo.
A princípio (desde a infância, entenda-se), por prazer: relia e relia tudo de que gostara, simplesmente porque gostara. (Ainda sei de cor uns trechos de “Na Vila de Santa Rosa”, Itaci da Silveira Pelegrini, Editora Anchieta S.A., 1944)
Depois, por necessidade da profissão. E foram dezenas, centenas de releituras!!!
Há algum tempo, porém... com a idade avançando, sabe, e a memória... Aí, releio porque é sempre um maravilhamento novo a cada volta, esquecida que ando do que li há uns tempos...
Foi o que aconteceu hoje, 10/09. Preguei os olhos na história – singela e tocante como são todas as histórias de amor mal resolvidas – de Helena e Carlos.
Sei que já a lera. Tenho certeza disso. Pelo título, eu não deixaria de ler. Tenho certeza. A história andando, a similaridade de alguns fatos aqui e ali... Mas os detalhes... ah... os detalhes haviam ficado escondidos nessa zona extremamente complexa que é a memória. É nesse momento que chega o maravilhamento da redescoberta!
Depois da última linha, pausa pra acomodar alguma saudade que viera, de fininho, lá de longe, releitura da vida.
...
Inexplicavelmente, cadê os comentários, ao pé da história? Nenhum.
(Inexplicavelmente – eu disse? Não. Nada de inexplicável. Que é que se pode comentar depois de restar apenas a lembrança de “Um tango à distância”?)