domingo, 7 de novembro de 2010

Tentativa de censura a Monteiro Lobato

O Brasil, país autoritário, além do delírio legislativo – tudo deve virar lei – tem demonstrado inclinação pela censura. O deputado federal do PCB, Aldo Rebelo – virtuoso estilista da língua, como todos sabemos – já quis eliminar o uso de palavras de origem estrangeira. Agora, outro deputado pretende a proibição de nomes próprios estrangeiros. Aliás, pergunto como é que fico: Roberto é um nome que vem de algo como “Hruoberaht” e se difundiu a partir do alemão Rodebert. Deverei trocar por Manoel? Peri?


Grave e não menos circense é, no entanto, a polêmica em que nos envolveu o Conselho Nacional de Educação, que baixou parecer acatando censura ao livro de Monteiro Lobato, Caçadas de Pedrinho. Os iluminados conselheiros do CNE farejam nele indícios de racismo, desprezo pelos animais e pela África, e exigem que só possa ser publicado com uma nota advertindo sobre os “desvios” da obra.

Marisa Lajolo, hoje a maior especialista em Lobato, reagiu contra a sandice:

“Independentemente do imenso equívoco em que, de meu ponto de vista, incorrem o denunciante e o CNE que aprova por unanimidade o parecer da relatora, o episódio torna-se assustador pelo que endossa, anuncia e recomenda de patrulhamento da leitura na escola brasileira. A nota exigida transforma livros em produtos de botica, que devem circular acompanhados de bula com instruções de uso.
O que a nota exigida deve explicar? O que significa esclarecer ao leitor sobre os estudos atuais e críticos que discutam a presença de estereótipos na literatura? A quem deve a editora encomendar a nota explicativa? Qual seria o conteúdo da nota solicitada? A nota deve fazer uma autocrítica (autoral, editorial?), assumindo que o livro contém estereótipos? A nota deve informar ao leitor que “Caçadas de Pedrinho” é um livro racista? Quem decidirá se a nota explicativa cumpre efetivamente o esclarecimento exigido pelo MEC?”

A questão, como ocorre com todos os problemas mal formulados, é insolúvel e infindável. Em primeiro lugar, que “racismo” existiria em Lobato, se existe? Em segundo lugar, deveríamos supor que os leitores só devem ler o que desejamos que leiam? Só devem fazer do livro a interpretação que preferimos?

Lembro a propósito um trecho do romance O Jogador, de Dostoievski. Diz o texto que “Estava no hotel nesta ocasião um conde polonês” – e acrescenta, entre parêntesis, com cirúrgica ironia: “(todos os poloneses em viagem são condes)”.

Deveriam os poloneses censurar Dostoievski? Proibir o livro? Deveriam se unir aos condes para vingar a ironia? Deveriam acrescentar ao livro uma nota explicativa encomendada aos iluminados do CNE?

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