domingo, 25 de março de 2012

O tamanho de cada um e de cada outro


Os dois se conheceram muito jovens. Gustavo tinha dezenove anos e Flora quatorze. Ele era magrinho, miúdo e tocava guitarra. Ela era frágil e magra. E adorava cantar rock. Sendo ambos apaixonados por Jimi Hendrix e Janis Joplin, chegaram à conclusão e estavam fadados a viver juntos para sempre.

Contra tudo e contra todos – quer dizer, contra a opinião de pais, parentes, amigos, irmãos, alguns vizinhos enxeridos e sem levar em conta o fato de que não tinham profissão nem trabalho fixo – resolveram casar. Afinal, o sonho ainda não acabara. Jimi Hendrix e Janis Joplin lhes dariam suas benções, onde quer que estivessem. Tinham os corações cheios de esperanças. O futuro estava logo ali.

Mas, ao chegarem logo ali, no futuro, descobriram que Gustavo, pequenino e magro, parou nos seus um metro e cinquenta e quatro, enquanto que Flora crescia com a determinação de um bambu em tempo de chuva. Tornou-se uma mulher alta, atlética. Forte, não gorda. Gostava de esportes, o que só descobriu lá pelo quinto ano de casamento. Ele, miudinho, seguiu pequeno e jamais correu atrás de bola, nunca pedalou bicicleta e se tornou um curtidor de filmes vistos na televisão – ir ao cinema lhe parecia uma maratona.

Por isso, a partir de certo momento – e nem eles saberiam determinar quando – começaram a discutir.

- Você cresceu demais, resmungava Gustavo.

- Não me culpe pelo fato de você ser baixinho.

- Baixinho, vírgula! Só não me transformei, como esses seus amigos de academia, num... num rinoceronte.

- E eu sou um rinoceronte, por acaso?

- Eu não disse isso.

- Não disse, mas quis dizer exatamente isso. Você é que parou, tá me entendendo? Parou.

A discussão era repetitiva e empacava por aí mesmo. Cada um se virava para um lado. Gustavo de olhos fixos na televisão, vendo filmes. Flora fazendo exercícios com dois alteres.

Alguns dias depois – ou horas, dependia – ele dizia:

- Não acha que seus ombros parecem de halterofilista?

- Tenho um corpo perfeito e perfeitamente feminino. Não chateie.

- Perfeito, é verdade, ele concordava. Mas você cresceu demais.

- Já vai começar de novo?

- Será que você não poderia diminuir um pouco?

Ela largou os alteres no chão com algum estrondo e perguntou:

- E pode me dizer como vou diminuir?

- Evitando essas vitaminas que toma, por exemplo.

- Isso não engorda nem faz crescer. Isso cria massa muscular.

- Mas, quando nos conhecemos, você não era...

Nem esperou ele responder. Tinha uma explicação na ponta da língua:

- Meu pai era um homem grande. Alemão. Um metro e oitenta e nove. E minha mãe tinha um metro e setenta e oito. Polaca. Para a geração deles, eram muito grandes. Já os seus pais, lá do litoral...

- Não meta meus pais nessa história! Além disso, você tem um metro e noventa!

Ela ergueu um dedo em fúria:

- Um metro e oitenta e sete! Nem um centímetro a mais. Você é que tem centímetros a menos.

- Olha lá o que está insinuando!

- Não estou insinuando nada. Você é que poderia crescer um pouco. Fazer exercícios, tomar vitaminas, sei lá! No fundo você tem vergonha de ser baixinho. E tem vergonha da minha altura. Simples assim.

Apesar desses profundos debates, nem ele cresceu e nem ela diminuiu, Separaram-se. Gustavo ficou no apartamento, pois tudo ali fora adaptado à sua altura – os armários, as pias, até mesmo a cama, ao pé da qual Flora colocava um pufe para poder esticar as pernas. Ela mudou-se para um apartamento maior, comprou uma cama enorme, estantes altas, dispensou banquinhos para abrir os armários.

Quando se encontravam, Gustavo reclamava que era uma provocação ela usar saltos plataforma. Ficariam bem em você, ironizava ela, pedindo que ele segurasse seus alteres, o que deixava os braços dele espichados até os joelhos.

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