quarta-feira, 6 de março de 2013

João Cabral de Melo Neto e A educação pela pedra



João Cabral de Melo Neto

Em entrevista dada em maio de 1994, João Cabral mostrou lucidez a respeito de seu modo de pensar/fazer poesia, e estabeleceu ao mesmo tempo uma distinção finíssima entre suas ideias e sua sensibilidade de leitor – distinção que valeria para todos nós. Resumindo: uma coisa era a poesia que ele fazia, outra era o encontro com a poesia de outros poetas. Os outros poetas poderiam ser muito diferentes dele, como Mário Quintana ou Cecília Meireles, mas ele dizia que a “minha sensibilidade não se fecha a essa gente. Quer dizer, quando eu faço, eu tento fazer uma coisa, mas isso não quer dizer que eu só goste daquilo”.
Portanto, um leitor ou crítico que só aceita o poema que se afina com suas ideias está dando uma demonstração de estreiteza de sensibilidade. De pobreza de sensibilidade. Fazer essa separação me parece essencial para se entender a multiplicidade da experiência estética e evitar os sectarismos das escolas e correntes e seitas estéticas, os detestáveis grupelhos.
Agora, ao escrever, é isso que João Cabral buscava sempre:
“Procuro uma linguagem em que o leitor tropece, não uma linguagem em que ele deslize”.
Abaixo, um poema exemplar, A educação pela pedra, onde tudo isso fica claro. Convido os leitores do blog a tropeçarem à vontade.

A educação pela pedra 

Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, freqüentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la. 


* 
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra, 
uma pedra de nascença, entranha a alma.




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