Eu era um menino. Uns
nove anos.
Meu tio Odílio Cruz,
que foi jogador de futebol e andou treinando no Botafogo do Rio – foi dispensado
ao romper os meniscos, o que na época significava fim de carreira – me levou ao
campo do Grêmio Esportivo Olímpico de Blumenau para assistir a uma partida
imperdível, segundo me disse, sério, abotoando minha camisa.
- Imperdível! –
repetiu, empolgado.
- Imperdível?
- Você vai ver.
E lá estávamos nós
naquela tarde de festa, sentados nuns bancos de madeira que foram colocados enfileirados
ao redor do campo. Havia, é claro, uma arquibancada. Mas era pequena e nela
ficavam os sócios do clube. O nosso banco estava atrás de um dos gols e eu abria
olhos bestificados, pois nunca havia visto, de tão perto, um campo, uma trave e
tanta gente aglomerada em volta. Parecia mesmo imperdível.
Sentei ao lado de meu
tio e, ao lado dele, sentou seu Joanin Longo, sogro de meu tio. Um grupo engraçado,
pois eu era muito pequeno, os pés balançando no ar sem tocar no chão, e seu
Joanin era um italiano baixinho, redondo e gordo como uma pipa, que ameaçava
despencar do banco. Só meu tio guardava aparências de ex-atleta.
Não sei qual foi o
resultado do jogo. O Olímpico de Blumenau perdeu, está claro, o que me deixou
feliz, pois em Blumenau eu torcia para o outro time da cidade, o Palmeiras.
Eu seguia olhando para
todos os lados quando estouraram os fogos. Imperdível: por detrás da
arquibancada, abarrotada com torcedores do Olímpico vestidos com camisas grená
(a camisa do time era grená e era bonita), subiram rojões, estrelas, explosões.
E, ao lado do time da casa, entrou em campo o time convidado, o Bangu Atlético
Clube, do Rio de Janeiro, que era um time notável na época. Por ele passaram
grandes craques, mas isso não importava naquele momento. Nossos olhos – os meus
sendo guiados pelos dedos de meu tio, que não queria que eu perdesse nada do
espetáculo – estavam grudados na estrela da companhia: Zizinho.
Achei baixinho. Achei
até mesmo meio esquisito, com cara bexiguenta. Achei também que o cabelo estava
meio enrolado e despenteado demais. Será que jogava aquilo tudo que diziam?
Mesmo assim, aplaudi como todo mundo, aos berros de Zizinho, Zizinho, o que, no
sotaque italiano de seu Joanin, ficava cômico.
A nossa frente, os
jogadores do Bangu começaram um aquecimento. Lançaram uma bola na área, Zizinho
emendou uma bomba. A sorte de seu Joanin, foi ter se abaixado para pegar um
graveto que se enroscara em suas calças. A bola passou a milímetros de sua
cabeça.
- Sacramenha! exclamou
Joanin.
Estádio pequeno, clima
interiorano, a cena disparou uma gargalhada geral na torcida. Zizinho veio
recolher a bola e afagou a cabeça de seu Joanin, pedindo desculpas.
Depois que a partida
começou não consegui tirar os olhos de Zizinho. Era baixinho. Era bichiguento. E
eu estava hipnotizado. Meu Deus, como jogava! O que era aquilo? Ele não
conduzia a bola, ele não a tocava, ele não pisava no gramado. Ele flutuava
feito um bailarino ilusionista e a bola o perseguia por todos os lugares do
campo. Quando se encontravam, Zizinho fazia um movimento, e a bola, obediente, se
enfiava pelo meio de pernas adversárias, encobria o zagueiro, era levada de um
lado para outro conduzida por alguma mágica criada pelos seus pés ou talvez por
seus olhos.
- Sacramenha! Dio mio!
exclamava Joanin a cada jogada.
- Viu só?! – era meu
tio, me estapeando a cabeça – Não disse que era imperdível? Você nunca mais vai
esquecer, moleque!
O moleque era eu. Não
esqueci. Bestificado, aplaudindo, ali estava a uns poucos metros aquele que meu
tio dizia ser o maior jogador de futebol do Brasil.
E, num momento em que
Zizinho parecia perdido lá no meio do campo, vi quando ele pediu a um
companheiro a bola – que veio por vontade própria, eis do que desconfio – e avançou
com ela na direção do gol, costurando a defesa desarrumada e perplexa.
Levantamos do banco. Driblou um, dois, enfiou a bola pelo meio das pernas do
zagueiro central do Olímpico, um gigante germânico, e, ao quique da bola, deu
nela uma chicotada seca, precisa, infalível, imperdível, inesquecível.
Gol de Zizinho.
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