Infelizmente, a figura
nacional de destaque no momento é esse infeliz Feliciano, o assim dito pastor Marco Feliciano, deputado federal.
É curioso como certas
pessoas conseguem se tornar em determinadas situações uma síntese dos equívocos
do país. No caso desse deputado juntam-se várias coisas: em primeiro lugar, é
um desses tipos toscos que estufam o peito, orgulhosos das vitórias que
imaginam ter conquistado na vida. É aquilo que o escritor Jamil Snege
sintetizou numa fórmula de admirável ironia: “como eu se fiz por si mesmo”.
Outra coisa: ele
ostenta, sem subterfúgios, a carga de ignorância autocomplacente, ao assumir preconceitos
arcaicos: a arrogância religiosa, o preconceito racial e o preconceito contra
homossexuais.
Começou emitindo juízos
sobre os negros, colocando em evidência a velha crença que viceja entre adeptos
de seitas evangélicas: os negros seriam filhos de Caim, condenados a sofrer
vida afora sem remissão, inferiores por culpa de seus próprios pecados. Depois,
avançou contra os homossexuais cujas práticas de relacionamento – e, segundo
ele, desvios de caráter – causam no deputado verdadeiros delírios e fantasias
que Freud poderia explicar. Já ouvimos essa cantilena anteriormente.
Finalmente, ao declarar que a comissão que está presidindo no momento era
anteriormente presidida pelo próprio Satanás, dá um nó entre seus preconceitos
e suas crendices. É um pobre homem que divide a terra entre os eleitos e os perversos
– assim como divide os céus entre Deus e o Diabo.
Mas não é só. Ao se
apegar com unhas e dentes a seu cargo de presidente de uma comissão criada para
defender direitos humanos de minorias perseguidas, o infeliz Feliciano atingiu
o ápice como síntese das mazelas nacionais.
Como se sabe – ou se
deveria saber – o Brasil se caracteriza entre outras coisas pelo fato de ser um
país no qual ninguém renuncia a nada. O sujeito pode ser pego com a boca na
botija, com a mão na cumbuca, e mesmo assim não se dá por achado. Pode ter
recebido propinas, comissões, caixa dois, desvio de dinheiro público, se
apropriado do que não é seu, que mesmo assim mantém a cabeça alta, a voz tonitruante
com a qual vociferar contra quantos o acusam de corrupto. Repilo as acusações,
dirá ele. Estou indignado com essa perseguição política, mandará dizer aos
jornais. Eu não sabia de nada, repetirá contra todas as evidências.
Aliás, prova de que no
Brasil ninguém renuncia a nada é o fato de que a renúncia mais célebre e
comentada de nossa história não foi renúncia coisa alguma. Foi uma fraude, uma
tentativa de golpe. Quando Jânio Quadros “renunciou” estava na verdade montando
uma cena dramática que, imaginava ele, depois de umas doses mais avantajadas de
uísque, faria com que a população se colocasse ao lado dele e o trouxesse de
volta ao Palácio do Planalto.
Pois o golpe de Jânio
falhou. A população mandou que fosse chatear em outras plagas e seu gesto
conseguiu apenas – e ele imaginava que isso jogaria a seu favor – que os
militares, temendo o fantasma de Jango Goulart, disparassem desde aquele
momento a conspiração que culminou em 1º. de abril de 1964, com o golpe
militar.
Pois o infeliz
Feliciano faz parte dessa tropa. Truculento e tosco, fazendo da Bíblia uma
leitura rasteira e digna de um analfabeto visceral, alimenta preconceitos
raciais (em especial contra os negros, já que estamos no Brasil), preconceitos
sexuais (isso que se chama de homofobia) e imagina se perpetuar nos seus pequenos
poderes contra tudo e contra todos.
Aliás, tive, no curso
de Filosofia, muitos professores que eram também padres, com o que fiz um curso
paralelo de Teologia, do que não reclamo. E por isso eu me pergunto o que
pensariam meus professores de Filosofia – padre João Zelesny, frei Raimundo
Vier, Padre Edmundo Dreher e padre Diniz Mikosz – dessas leituras da Bíblia
como uma espécie de manual (Deus copidescado por Dale Carnegie) para vencer na vida e
acumular riqueza, desse fundamentalismo insano que é um perigo político que
está hoje colocando o mundo inteiro em alerta.
Chegamos, então, à
última das infelicidades desse infeliz Feliciano. Com sua robusta ignorância,
ele alimenta um fundamentalismo cujo limite é fazer do Estado um instrumento da
Religião. Ou seja: Feliciano e outros tantos de sua laia são profetas do
atraso: amariam voltar a um mundo anterior à Revolução Francesa, anterior a
Voltaire e aos Enciclopedistas, anterior à Revolução Industrial, reunificando
enfim a Igreja e o Estado.
Já se viu esse filme na
Idade Média. Estamos vendo o mesmo filme no Oriente Médio. As consequências são
nefastas. Por isso, o espetáculo oferecido por Feliciano e seguidores é grave e
perigoso, ainda que ridículo.
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