quinta-feira, 4 de abril de 2013

Feliciano, o infeliz





Infelizmente, a figura nacional de destaque no momento é esse infeliz Feliciano, o assim dito pastor Marco Feliciano, deputado federal.
É curioso como certas pessoas conseguem se tornar em determinadas situações uma síntese dos equívocos do país. No caso desse deputado juntam-se várias coisas: em primeiro lugar, é um desses tipos toscos que estufam o peito, orgulhosos das vitórias que imaginam ter conquistado na vida. É aquilo que o escritor Jamil Snege sintetizou numa fórmula de admirável ironia: “como eu se fiz por si mesmo”.
Outra coisa: ele ostenta, sem subterfúgios, a carga de ignorância autocomplacente, ao assumir preconceitos arcaicos: a arrogância religiosa, o preconceito racial e o preconceito contra homossexuais.
Começou emitindo juízos sobre os negros, colocando em evidência a velha crença que viceja entre adeptos de seitas evangélicas: os negros seriam filhos de Caim, condenados a sofrer vida afora sem remissão, inferiores por culpa de seus próprios pecados. Depois, avançou contra os homossexuais cujas práticas de relacionamento – e, segundo ele, desvios de caráter – causam no deputado verdadeiros delírios e fantasias que Freud poderia explicar. Já ouvimos essa cantilena anteriormente. Finalmente, ao declarar que a comissão que está presidindo no momento era anteriormente presidida pelo próprio Satanás, dá um nó entre seus preconceitos e suas crendices. É um pobre homem que divide a terra entre os eleitos e os perversos – assim como divide os céus entre Deus e o Diabo.
Mas não é só. Ao se apegar com unhas e dentes a seu cargo de presidente de uma comissão criada para defender direitos humanos de minorias perseguidas, o infeliz Feliciano atingiu o ápice como síntese das mazelas nacionais.
Como se sabe – ou se deveria saber – o Brasil se caracteriza entre outras coisas pelo fato de ser um país no qual ninguém renuncia a nada. O sujeito pode ser pego com a boca na botija, com a mão na cumbuca, e mesmo assim não se dá por achado. Pode ter recebido propinas, comissões, caixa dois, desvio de dinheiro público, se apropriado do que não é seu, que mesmo assim mantém a cabeça alta, a voz tonitruante com a qual vociferar contra quantos o acusam de corrupto. Repilo as acusações, dirá ele. Estou indignado com essa perseguição política, mandará dizer aos jornais. Eu não sabia de nada, repetirá contra todas as evidências.
Aliás, prova de que no Brasil ninguém renuncia a nada é o fato de que a renúncia mais célebre e comentada de nossa história não foi renúncia coisa alguma. Foi uma fraude, uma tentativa de golpe. Quando Jânio Quadros “renunciou” estava na verdade montando uma cena dramática que, imaginava ele, depois de umas doses mais avantajadas de uísque, faria com que a população se colocasse ao lado dele e o trouxesse de volta ao Palácio do Planalto.
Pois o golpe de Jânio falhou. A população mandou que fosse chatear em outras plagas e seu gesto conseguiu apenas – e ele imaginava que isso jogaria a seu favor – que os militares, temendo o fantasma de Jango Goulart, disparassem desde aquele momento a conspiração que culminou em 1º. de abril de 1964, com o golpe militar.
Pois o infeliz Feliciano faz parte dessa tropa. Truculento e tosco, fazendo da Bíblia uma leitura rasteira e digna de um analfabeto visceral, alimenta preconceitos raciais (em especial contra os negros, já que estamos no Brasil), preconceitos sexuais (isso que se chama de homofobia) e imagina se perpetuar nos seus pequenos poderes contra tudo e contra todos.
Aliás, tive, no curso de Filosofia, muitos professores que eram também padres, com o que fiz um curso paralelo de Teologia, do que não reclamo. E por isso eu me pergunto o que pensariam meus professores de Filosofia – padre João Zelesny, frei Raimundo Vier, Padre Edmundo Dreher e padre Diniz Mikosz – dessas leituras da Bíblia como uma espécie de manual (Deus copidescado por Dale Carnegie) para vencer na vida e acumular riqueza, desse fundamentalismo insano que é um perigo político que está hoje colocando o mundo inteiro em alerta.
Chegamos, então, à última das infelicidades desse infeliz Feliciano. Com sua robusta ignorância, ele alimenta um fundamentalismo cujo limite é fazer do Estado um instrumento da Religião. Ou seja: Feliciano e outros tantos de sua laia são profetas do atraso: amariam voltar a um mundo anterior à Revolução Francesa, anterior a Voltaire e aos Enciclopedistas, anterior à Revolução Industrial, reunificando enfim a Igreja e o Estado.
Já se viu esse filme na Idade Média. Estamos vendo o mesmo filme no Oriente Médio. As consequências são nefastas. Por isso, o espetáculo oferecido por Feliciano e seguidores é grave e perigoso, ainda que ridículo.


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