Dia desses tentei escrever,
a pedido do meu amigo Antonio Manoel dos Santos Silva, sobre Zico. Sem que eu
pudesse evitar, saiu um texto sobre Zizinho, que me driblou, tomando conta da
crônica.
Não devemos confiar em
cabeça de cronista, perdida em associações incontroláveis. Machado de Assis sofria
desse mal. Volta e meia se perdia – ou fingia se perder – e disparava a falar
de outras coisas até que, lá longe, retomava o fio da meada. Claro, não podemos
acreditar nos fingimentos machadianos, tão arteiros quanto Capitu.
Estão vendo? Já me perdia.
Voltemos. Trata-se de Zico.
Falar dele me parece
difícil. Seria repetitivo insistir nas jogadas deslumbrantes, nos passes exatos
e suaves, nos dribles que nos deixavam atônitos.
Uma das mágicas de Zico
era a aparente facilidade. Nos passes, nos dribles, na condução da bola. Todo
grande craque é hábil em produzir essa ilusão: tudo que faz parece fácil. Ao
contrário do que ocorre com os pernas-de-pau, nos quais sentimos o esforço, o
suor e o empenho desastrado – e os resultados pífios.
As finalizações de Zico
eram refinadas obras de arte. Nunca batia na bola da mesma forma. Cada toque
segundo a jogada exigia.
Quando se tratava de
falta, a perfeição nos deixava incrédulos. Praticou o mesmo milagre vezes sem
fim e mesmo assim era difícil de acreditar. Havia perfeição no chute, no
desenho descrito pela bola. Antes que ela vencesse a barreira já era possível
saborear o gol. Nenhum goleiro pegaria aquela bola, nenhuma trave ou rede se
recusariam a acolher aquela obra-prima.
Tudo isso pertence à
mágica e à fantasia do futebol.
Mas também isso é apenas
aparência.
Ao contrário da crença
brasileira de que tudo na vida depende de um golpe de sorte e de improvisação,
Zico, que parecia improvisar sempre, jamais improvisava. Ou improvisava sempre,
não improvisando. Quando menino, assistia os irmãos mais velhos a jogar – Tonico,
Edu, Antunes e Nando, igualmente craques – e, ao ver um drible bem dado, um
chute certeiro, um lançamento preciso, ele pegava a bola, ia para um canto da
rua e, enquanto não repetisse a jogada com perfeição, não descansava. Voltando
ao jogo, executava a jogada.
Assim se exercitava
após os treinos do Flamengo. Colocava uma camisa no ângulo da trave e batia
faltas. Dezenas de faltas. O objetivo era atingir a camisa. Era isso que víamos
nos jogos – e parecia o mais acidental dos improvisos.
Tudo que conquistou
resultou de uma dedicação imensa.
Eis porque é difícil
escrever sobre Zico. Ele é desses brasileiros que desmentem vícios e manias nacionais.
Uma imagem invertida no espelho. Nunca foi falso malandro. Colocava em tudo um
caráter de primeira qualidade. No trato com companheiros de jogo, na maneira de
enfrentar os adversários, a imprensa, o país. Sempre agindo com um senso ético
irretocável.
Não improvisava, não
dava jeitinho, não acreditava em sorte. Acreditava em disciplina, segundo um rigor
quase kantiano – um Kant do bairro de Quintino, é claro, digno de seu pai, o sólido
português José Antunes Coimbra.
Eis o espantoso em
Zico. De suas mágicas, foi a maior.
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