terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Sem a mentira, o que seria da política?



A Parábola dos Cegos, do pintor flamengo Pieter Bruegel, o Velho (1568).


  
Durante a campanha eleitoral, num debate entre jornalistas, uma observação de um deles me deixou perplexo. Disse ele que o maior erro do candidato Aécio e que lhe custaria a eleição, foi ter dito que tomaria, se eleito, algumas medidas antipopulares.
Quando outro jornalista observou que Aécio havia dito apenas a verdade, recebeu essa resposta:
- Pois foi esse seu erro mais grave.
Simples. Nenhum outro jornalista na roda abriu o bico para discutir a questão. Não se pode dizer a verdade em campanha política. Ponto. A campanha é o reino da mentira.
Verdade e política, é claro, têm sido inimigos ao longo da história e não é de hoje e nem exclusividade do Brasil. Os governantes exigem o direito de mentir como parte dos instrumentos necessários ao exercício da política.
Tal distorção tem origem nas doutrinas que pensam a política entre países em guerra. É claro que em tempos de guerra é essencial esconder a verdade sobre seus recursos, ações e intenções. O inimigo não pode saber delas. São as chamadas mentiras de Estado. Acobertam segredos de Estado.
Arma pensada originalmente como algo contra inimigos externos, os governantes passaram a dirigi-la contra seus governados. Ou seja: qualquer interesse, deslize ou tropeção, por mais mesquinho ou ridículo que seja, pode ser alçado a segredo de Estado, autorizando a mentira. Podem se referir à análise de catástrofes, quebras de safras, número de mortos em desastres, roubalheiras etc. Com o tempo, esse “direito” foi-se expandindo até chegar ao ponto em que hoje se encontra. A mentira é a maior arma a ser usada e pode ser disparada em todas as circunstâncias em que certos fins são colocados como superiores e, portanto, a tudo justificam.
Há quem recorra a Maquiavel para avalizar essa expansão. Mas é bom lembrar que, no livro O Príncipe, onde aparece a noção de que os fins justificam os meios, entre os quais se encontra a mentira, Maquiavel faz logo no início uma advertência. A obra que o leitor vai ler trata de como deve proceder o príncipe em tempos de guerra, quando deve tomar posse e conquistar terras e povos e reinos inimigos. E adverte: em outra obra ele tratou dos deveres do Príncipe quando se trata de lidar com seu próprio povo. Isso é esquecido. Convém.
Hoje vivemos sob o domínio da mentira plena, útil em quaisquer situações. Para tanto, as campanhas são dirigidas por marqueteiros cuja grande virtude é mentir. Sempre. O marqueteiro é um ilusionista do mal: lida com fantasias e aparências. A imagem do político é um produto que deve ser oferecido e deve ser falsificado, se nele há algo de verdadeiro.  São falsas as suas roupas, as suas palavras, as suas afirmações, as suas convicções, as suas promessas. É dito aquilo que poderá conquistar votos e levar ao poder, sendo esse o fim em si.
Por essa razão as campanhas viraram uma encenação fictícia. Um candidato diz que tomará medidas antipopulares, como foi o caso, e o adversário aproveita para apontá-lo como antidemocrático. O primeiro fica no papel de bandido e o segundo no papel de bom sujeito.
Após a eleição, o eleito tomará, com a maior tranquilidade, medidas que foram defendidas pelo seu adversário e que ele próprio sabia necessárias. Isso se deu entre Dilma e Aécio. E não é de duvidar que ocorresse o mesmo se o eleito fosse o segundo.
Mas há antecedentes.
FHC mandou, assim que eleito, que esquecessem o que havia escrito. É verdade que não havia escrito nada de muito relevante, mas foi com o peso de sua carreira acadêmica, com seu verniz de sociólogo, que ele foi eleito. O que negou no dia seguinte à posse, passando a tomar medidas que condenara anteriormente, chegando ao ponto de dizer – no debate da reforma da aposentadoria – que os aposentados eram vagabundos, literalmente, sendo ele mesmo um aposentado. E houve a privataria e a ampliação do segundo mandato para cinco anos, a aquisição de votos etc.
Lula não fez diferente. Num momento em que se julgou acuado, declarou que jamais fora socialista. E aprovou a nova lei da aposentadoria que condenara desde sempre como trama diabólica de FHC, que não conseguira aprova-la. Depois, o mensalão, quando Lula disse que não sabia de nada, com o que, em outro sentido, muitos concordam.
FHC fica com o crédito da estabilização da moeda. Lula fica com o Bolsa Família, ideia original do senador Cristovam Buarque, que foi adotada na falta de outra qualquer, pois não havia plano algum de governo. Deu certo. Criou-se imenso curral eleitoral, como previu Zé Dirceu. Lula virou santidade.
Dilma não fez diferente. Acusou seu adversário de adotar política favorável aos banqueiros – os quais ela e Lula demonizam no discurso, mas que foram os maiores beneficiados de seus governos. E, antes mesmo de assumir o segundo mandato, ela chamou gente antes demonizada como neoliberais para o núcleo mais importante de sua equipe: Fazenda, Banco Central e Planejamento. E leiloou entre partidos da “base”, como se fez desde sempre, suas capitanias hereditárias, os 39 ministérios. E agora anuncia apertos, cortes, e foge dos estilhaços dos escândalos da Petrobrás.
Ou seja, políticos mentem. Sempre. Por isso tenho dito há muito tempo que somos governados por delinquentes.
A mentira é o núcleo central de todas as suas ações e só a partir dela podemos entender o que esses homens e mulheres fazem e por quais razões desejam o poder. Não os separa nenhuma convicção ideológica, nenhum projeto de um país futuro. Eles não têm nada na cabeça além de sede de poder e delírios de grandeza. Os projetos que apresentam, aliás, obedecem aos cochichos de marqueteiros. É aquilo que pode seduzir eleitores – quem for mais convincente, leva.
Por exemplo. Dilma deixou de falar em plebiscito. Os marqueteiros advertiram: não pegou bem, esqueça. Já não tem como anunciar metrôs, trens bala, rodovias e ferrovias. Anuncia então o que um marqueteiro retirou da cartola, o Brasil Pátria Educadora. É ideia requentada, a falta de qualquer outra, anunciada em 2013, mas que naquele momento não caiu bem, tendo sido deixada de lado. Por falta de coisa melhor, vai essa mesmo, é simpático falar em educação. Dito isso, coloca na pasta da educação um ministro conhecido por desatinos diversos e sem qualquer verniz na área educacional. Poderia ter dado essa capitania à ministra que quis proibir e reescrever um livro de Monteiro Lobato, dando demonstração de total ignorância literária e farta incultura. Daria no mesmo.
Jogo de imagens. Truques. Improvisos. Arte marqueteira de iludir os que se dispõem a ser iludidos: incautos, partidários, militantes, inocentes, apoiadores em disponibilidade, espertalhões, currais eleitorais etc.
E nós aqui, perdendo tempo com esse tipo de gente.
Logo agora, em pleno verão, quando todo mundo está na praia, inclusive a Dilma.






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