A Parábola dos Cegos, do pintor flamengo Pieter Bruegel, o Velho (1568). |
Durante
a campanha eleitoral, num debate entre jornalistas, uma observação de um deles
me deixou perplexo. Disse ele que o maior erro do candidato Aécio e que lhe
custaria a eleição, foi ter dito que tomaria, se eleito, algumas medidas antipopulares.
Quando
outro jornalista observou que Aécio havia dito apenas a verdade, recebeu essa
resposta:
-
Pois foi esse seu erro mais grave.
Simples.
Nenhum outro jornalista na roda abriu o bico para discutir a questão. Não se
pode dizer a verdade em campanha política. Ponto. A campanha é o reino da
mentira.
Verdade
e política, é claro, têm sido inimigos ao longo da história e não é de hoje e
nem exclusividade do Brasil. Os governantes exigem o direito de mentir como
parte dos instrumentos necessários ao exercício da política.
Tal
distorção tem origem nas doutrinas que pensam a política entre países em
guerra. É claro que em tempos de guerra é essencial esconder a verdade sobre seus
recursos, ações e intenções. O inimigo não pode saber delas. São as chamadas mentiras
de Estado. Acobertam segredos de Estado.
Arma
pensada originalmente como algo contra inimigos externos, os governantes passaram
a dirigi-la contra seus governados. Ou seja: qualquer interesse, deslize ou
tropeção, por mais mesquinho ou ridículo que seja, pode ser alçado a segredo de
Estado, autorizando a mentira. Podem se referir à análise de catástrofes, quebras
de safras, número de mortos em desastres, roubalheiras etc. Com o tempo, esse
“direito” foi-se expandindo até chegar ao ponto em que hoje se encontra. A
mentira é a maior arma a ser usada e pode ser disparada em todas as
circunstâncias em que certos fins são colocados como superiores e, portanto, a
tudo justificam.
Há
quem recorra a Maquiavel para avalizar essa expansão. Mas é bom lembrar que, no
livro O Príncipe, onde aparece a
noção de que os fins justificam os meios, entre os quais se encontra a mentira,
Maquiavel faz logo no início uma advertência. A obra que o leitor vai ler trata
de como deve proceder o príncipe em tempos de guerra, quando deve tomar posse e
conquistar terras e povos e reinos inimigos. E adverte: em outra obra ele
tratou dos deveres do Príncipe quando se trata de lidar com seu próprio povo.
Isso é esquecido. Convém.
Hoje
vivemos sob o domínio da mentira plena, útil em quaisquer situações. Para
tanto, as campanhas são dirigidas por marqueteiros cuja grande virtude é
mentir. Sempre. O marqueteiro é um ilusionista do mal: lida com fantasias e
aparências. A imagem do político é um produto que deve ser oferecido e deve ser
falsificado, se nele há algo de verdadeiro. São falsas as suas roupas, as suas palavras,
as suas afirmações, as suas convicções, as suas promessas. É dito aquilo que
poderá conquistar votos e levar ao poder, sendo esse o fim em si.
Por
essa razão as campanhas viraram uma encenação fictícia. Um candidato diz que
tomará medidas antipopulares, como foi o caso, e o adversário aproveita para
apontá-lo como antidemocrático. O primeiro fica no papel de bandido e o segundo
no papel de bom sujeito.
Após
a eleição, o eleito tomará, com a maior tranquilidade, medidas que foram
defendidas pelo seu adversário e que ele próprio sabia necessárias. Isso se deu
entre Dilma e Aécio. E não é de duvidar que ocorresse o mesmo se o eleito fosse
o segundo.
Mas
há antecedentes.
FHC
mandou, assim que eleito, que esquecessem o que havia escrito. É verdade que
não havia escrito nada de muito relevante, mas foi com o peso de sua carreira
acadêmica, com seu verniz de sociólogo, que ele foi eleito. O que negou no dia
seguinte à posse, passando a tomar medidas que condenara anteriormente, chegando
ao ponto de dizer – no debate da reforma da aposentadoria – que os aposentados eram
vagabundos, literalmente, sendo ele mesmo um aposentado. E houve a privataria e
a ampliação do segundo mandato para cinco anos, a aquisição de votos etc.
Lula
não fez diferente. Num momento em que se julgou acuado, declarou que jamais
fora socialista. E aprovou a nova lei da aposentadoria que condenara desde
sempre como trama diabólica de FHC, que não conseguira aprova-la. Depois, o
mensalão, quando Lula disse que não sabia de nada, com o que, em outro sentido,
muitos concordam.
FHC
fica com o crédito da estabilização da moeda. Lula fica com o Bolsa Família, ideia
original do senador Cristovam Buarque, que foi adotada na falta de outra
qualquer, pois não havia plano algum de governo. Deu certo. Criou-se imenso
curral eleitoral, como previu Zé Dirceu. Lula virou santidade.
Dilma
não fez diferente. Acusou seu adversário de adotar política favorável aos
banqueiros – os quais ela e Lula demonizam no discurso, mas que foram os
maiores beneficiados de seus governos. E, antes mesmo de assumir o segundo mandato,
ela chamou gente antes demonizada como neoliberais para o núcleo mais
importante de sua equipe: Fazenda, Banco Central e Planejamento. E leiloou
entre partidos da “base”, como se fez desde sempre, suas capitanias
hereditárias, os 39 ministérios. E agora anuncia apertos, cortes, e foge dos
estilhaços dos escândalos da Petrobrás.
Ou
seja, políticos mentem. Sempre. Por isso tenho dito há muito tempo que somos
governados por delinquentes.
A
mentira é o núcleo central de todas as suas ações e só a partir dela podemos
entender o que esses homens e mulheres fazem e por quais razões desejam o
poder. Não os separa nenhuma convicção ideológica, nenhum projeto de um país
futuro. Eles não têm nada na cabeça além de sede de poder e delírios de
grandeza. Os projetos que apresentam, aliás, obedecem aos cochichos de
marqueteiros. É aquilo que pode seduzir eleitores – quem for mais convincente, leva.
Por
exemplo. Dilma deixou de falar em plebiscito. Os marqueteiros advertiram: não
pegou bem, esqueça. Já não tem como anunciar metrôs, trens bala, rodovias e ferrovias.
Anuncia então o que um marqueteiro retirou da cartola, o Brasil Pátria
Educadora. É ideia requentada, a falta de qualquer outra, anunciada em 2013, mas
que naquele momento não caiu bem, tendo sido deixada de lado. Por falta de coisa
melhor, vai essa mesmo, é simpático falar em educação. Dito isso, coloca na
pasta da educação um ministro conhecido por desatinos diversos e sem qualquer verniz
na área educacional. Poderia ter dado essa capitania à ministra que quis
proibir e reescrever um livro de Monteiro Lobato, dando demonstração de total
ignorância literária e farta incultura. Daria no mesmo.
Jogo
de imagens. Truques. Improvisos. Arte marqueteira de iludir os que se dispõem a
ser iludidos: incautos, partidários, militantes, inocentes, apoiadores em
disponibilidade, espertalhões, currais eleitorais etc.
E
nós aqui, perdendo tempo com esse tipo de gente.
Logo
agora, em pleno verão, quando todo mundo está na praia, inclusive a Dilma.
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