Como se sabe, é lamentável o baixíssimo
número de leitores no Brasil. Há quem não leia nada, sobretudo bons livros.
Não falo dos que são designados como
analfabetos. Falo daqueles que, mesmo ditos alfabetizados, muitas vezes tendo
cursado universidades, não são capazes de ler, que é algo mais complexo do que
identificar letras e palavras colocadas num papel. Ler implica ser capaz de
extrair sentido do que está num papel ou tela, ser capaz de apreender o
essencial do que é dito pelo texto e de retirar consequências do
que lemos, relacionando o que foi lido com um contexto cultural mais amplo –
além de ser capaz de saborear o prazer da leitura. Sabemos que estudantes
chegam à universidade sem essas capacidades e saem de lá da mesma forma. Diante
de um texto minimamente complexo ficam perplexos. Não extraem dele mais do que cansaço
mental.
Quem não lê perde parte significativa
de sua vida. Lendo mal, pensa mal, usa conceitos frouxos e é facilmente
iludido por doutrinadores pilantras ou políticos safados – e não viajam para
mundos inexplorados a bordo de um bom texto. Não ler empobrece a vida.
Dia desses encontrei um grupo de
jovens que lamentava não ter feito certas viagens. Uns não conheciam Miami, outros nunca foram ao Havaí. Entrei no papo e perguntei se alguns deles lamentava não ter lido certos
livros. Ficaram pasmos. Não fui entendido.
Mas há algo mais grave: os leitores de
um único livro. São mais perigosos do que os que não leem nada. Conheci
analfabetos que eram criaturas sábias. Haviam aprendido por experiência própria, por
terem conhecido pessoas bem informadas, por terem sido bons ouvintes.
Já o leitor de um só livro é um caso
perdido.
Pode ser um livro de ciências, de
filosofia, de autoajuda, de religião, um livro tido como sagrado ou profano, não
importa. O leitor de um só livro corre o sério risco de acreditar que naquele
texto está a sua segurança emocional e intelectual, a verdade definitiva de sua
vida. Por isso sai por aí condenando os outros como hereges.
Cursei filosofia numa época em que se
estudava toda a produção filosófica desde o século IV a.C. Um conjunto imenso, mas
que cumpria duas funções: dava aos estudantes a noção de como funcionam os
diversos sistemas filosóficos e tornava clara a vaidade de todo conhecimento. Ao
final se sabia que a verdade é algo disputado, coisa fugidia, mutável segundo
épocas e lugares. Isso nos dava razoável paz interior. E nos curava do fanatismo
da verdade.
Hoje, nos cursos de filosofia, há
professores despejando a verdade única de autores sobre os quais escreveram
alguma tese. Conheci um deles. Dava aulas em vários períodos do curso sempre
utilizando os mesmos textos de seu ídolo intelectual, Leibniz.
Outros fizeram e fazem o mesmo com Marx
ou Gramsci ou Foucault.
Portanto, não existem apenas fanáticos
religiosos que leram apenas um livro. Existem fanáticos nos domínios da
ciência, da filosofia, da política, que leram um só livro.
São criaturas perigosas. Destinadas ao
fundamentalismo, ao pensamento único, à aversão às divergências, à negação de outras
formas de pensar e ver o mundo.
Não entendem que a alavanca do pensamento é a dúvida, a incerteza, a humildade intelectual que aceita que
sabemos pouco e precisamos pensar mais. Leitores de um só livro se imaginam donos
de certezas indiscutíveis, causando catástrofes por onde passam. Estão na
origem de todas as guerras e matanças.
Há muitos e muitos anos lecionei na universidade. Logo me aborreci e larguei. Um dos motivos que mais me chateava era constatar, na exaustiva tarefa de avaliar provas e trabalhos, que grande parte dos alunos não sabia juntar meia dúzia de palavras para formar uma frase coerente. Não sei se hoje é pior ou não, mas com certeza muitos devem ousar na forma de se expressar por escrito, recorrendo ao "Internetês". Talvez no final do texto até se lembrem de deixar um abç ao profe c mt afto, espndo boa nt.
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