A relação entre os
homens e as máquinas sempre rendeu ficções fantásticas, desde Tempos Modernos, de Chaplin, ao
computador de 2001, Uma Odisseia no
espaço, de Stanley Kubrick, inspirado em conto de Arthur Clarke.
As máquinas despertam em
nós um medo apocalíptico.
E são dissimuladas.
Basta prestarmos atenção nas maquinetas, os celulares, que hoje estão nas mãos
de todos os viventes e que parecem inofensivas diante do tamanho daquelas que
engoliram Chaplin.
De tanto ver gente com
um celular grudado no ouvido – na rua, no elevador, nos restaurantes, nos
automóveis, nas caminhadas – concluí que um dia, por formidável mutação
genética, os seres humanos nascerão com um ouvido que sofreu um upgrade
evolutivo. O ouvido será dotado de discagem à distância, recepção de sinais
eletrônicos, e o ser humano se transformará em seu próprio celular, tablet ou
notebook. Nascerá com um celular ao lado do rosto. Talvez nos dois lados, pois o
número de celulares supera o de mortais.
Notável revolução. Dispensaria
o uso de braços e mãos, livres não para amores e carícias – coisas arcaicas em
tempos futuros – mas para digitar e cutucar telas.
Lembro que um cientista
anunciou que o cérebro humano, com o tempo e o uso excessivo, se atrofiaria,
crescendo demasiado. A cervical humana se curvaria e os homens andariam com a cabeça
jogada para trás pelo peso. Espero que tal coisa não aconteça, como é destino
de todas as profecias. Como sabemos, 2001 não foi o ano em que fizemos contato,
a não ser que certas figuras hoje na direção do mundo tenham vindo de outras
galáxias.
Mas acho que errei com essa
história do crescimento do cérebro. Está visto que o cérebro não parece ter
sido o órgão humano que mais cresceu nos últimos tempos. Ombros, coxas, bundas,
seios, pescoços, bíceps é que têm se avolumado de modo notável.
Quem mudará serão os celulares,
pois a cada dia incorporam novas funções – jogos, calendário, máquina
fotográfica, despertador, internet, e-mail, redes sociais, caixinha de música,
caixa de endereços, controle de televisão, de eletrodomésticos, de casas
informatizadas etc. etc. Serão criaturas capazes de fazer tudo. Degustar
vinhos, por exemplo. Escolher a cara metade. Selecionar óvulos e
espermatozoides. Levar o usuário ao orgasmo. Organizar antologias de poetas
românticos. E desenvolverão tato, olfato e visão, no mínimo.
Não crescerão em pernas
e braços, coisas arcaicas. Flutuarão no ar, livres como pássaros e darão ordens
aos humanos. Nada de novo. Já fazem isso. Já vi casais em restaurantes, frente
a frente, mergulhados na telinha, digitando coisas. Não ligam para a comida, que
pode ser qualquer uma, nem olham para o garçom, que parece ser sempre o mesmo. Falem
um com o outro via facebook.
E assim continuará até
que, cansados das humanas imperfeições, os celulares nos trancafiarão num gueto,
tomando conta do mundo.
Talvez seja a nossa
salvação. Reaprenderemos a conversar sem celulares e, quem sabe, poderemos
retomar as rédeas do planeta. Há alguma esperança.
O diabo é que essas
maquinetas têm hordas de aliados.
Não vai ser fácil.
ResponderExcluirConfesso, caríssimo cronista, que vim relutante, hoje, à sua coluna, com muito receio de encontrar comentários - sempre oportunos, inteligentes e coerentes, reconheço - sobre o indigesto assunto do julgamento da última quarta-feira, no STF, e das “duas justiças”.
Felizmente, surpreendi-me com essa delícia de texto que, além de oportuno, traz a coerência que só a sua infinita capacidade de ficção é capaz de produzir.
Meu domingo será mais leve e feliz!
Obrigada! Fez-me pensar seriamente no assunto!