domingo, 22 de setembro de 2013

Celulares unidos jamais serão vencidos


 


A relação entre os homens e as máquinas sempre rendeu ficções fantásticas, desde Tempos Modernos, de Chaplin, ao computador de 2001, Uma Odisseia no espaço, de Stanley Kubrick, inspirado em conto de Arthur Clarke.
As máquinas despertam em nós um medo apocalíptico.
E são dissimuladas. Basta prestarmos atenção nas maquinetas, os celulares, que hoje estão nas mãos de todos os viventes e que parecem inofensivas diante do tamanho daquelas que engoliram Chaplin.
De tanto ver gente com um celular grudado no ouvido – na rua, no elevador, nos restaurantes, nos automóveis, nas caminhadas – concluí que um dia, por formidável mutação genética, os seres humanos nascerão com um ouvido que sofreu um upgrade evolutivo. O ouvido será dotado de discagem à distância, recepção de sinais eletrônicos, e o ser humano se transformará em seu próprio celular, tablet ou notebook. Nascerá com um celular ao lado do rosto. Talvez nos dois lados, pois o número de celulares supera o de mortais.
Notável revolução. Dispensaria o uso de braços e mãos, livres não para amores e carícias – coisas arcaicas em tempos futuros – mas para digitar e cutucar telas.
Lembro que um cientista anunciou que o cérebro humano, com o tempo e o uso excessivo, se atrofiaria, crescendo demasiado. A cervical humana se curvaria e os homens andariam com a cabeça jogada para trás pelo peso. Espero que tal coisa não aconteça, como é destino de todas as profecias. Como sabemos, 2001 não foi o ano em que fizemos contato, a não ser que certas figuras hoje na direção do mundo tenham vindo de outras galáxias.
Mas acho que errei com essa história do crescimento do cérebro. Está visto que o cérebro não parece ter sido o órgão humano que mais cresceu nos últimos tempos. Ombros, coxas, bundas, seios, pescoços, bíceps é que têm se avolumado de modo notável.
Quem mudará serão os celulares, pois a cada dia incorporam novas funções – jogos, calendário, máquina fotográfica, despertador, internet, e-mail, redes sociais, caixinha de música, caixa de endereços, controle de televisão, de eletrodomésticos, de casas informatizadas etc. etc. Serão criaturas capazes de fazer tudo. Degustar vinhos, por exemplo. Escolher a cara metade. Selecionar óvulos e espermatozoides. Levar o usuário ao orgasmo. Organizar antologias de poetas românticos. E desenvolverão tato, olfato e visão, no mínimo.
Não crescerão em pernas e braços, coisas arcaicas. Flutuarão no ar, livres como pássaros e darão ordens aos humanos. Nada de novo. Já fazem isso. Já vi casais em restaurantes, frente a frente, mergulhados na telinha, digitando coisas. Não ligam para a comida, que pode ser qualquer uma, nem olham para o garçom, que parece ser sempre o mesmo. Falem um com o outro via facebook.
E assim continuará até que, cansados das humanas imperfeições, os celulares nos trancafiarão num gueto, tomando conta do mundo.
Talvez seja a nossa salvação. Reaprenderemos a conversar sem celulares e, quem sabe, poderemos retomar as rédeas do planeta. Há alguma esperança.
O diabo é que essas maquinetas têm hordas de aliados.
Não vai ser fácil.



Um comentário:


  1. Confesso, caríssimo cronista, que vim relutante, hoje, à sua coluna, com muito receio de encontrar comentários - sempre oportunos, inteligentes e coerentes, reconheço - sobre o indigesto assunto do julgamento da última quarta-feira, no STF, e das “duas justiças”.

    Felizmente, surpreendi-me com essa delícia de texto que, além de oportuno, traz a coerência que só a sua infinita capacidade de ficção é capaz de produzir.

    Meu domingo será mais leve e feliz!

    Obrigada! Fez-me pensar seriamente no assunto!

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