domingo, 8 de setembro de 2013

Decida-se, Denise!





Morava em São Paulo, ali por volta de 1979.
Com meu atrapalho no trânsito, fazia sempre o mesmo trajeto para chegar em casa sem me perder. Estivesse onde estivesse, ia até a Paulista, de onde sabia como chegar ao bairro de Perdizes. Nesse caminho tantas vezes repetido passava por uma curva enorme onde havia um muro devastado pelo tempo. Nele, um grafiteiro lascara a frase:
“Decida-se, Denise!”
O grafite fora riscado com algum nervosismo. Parecia brilhar no muro. Quem o escrevera o fizera com impaciência e irritação. Não suportava a indecisão da Denise. Não era uma súplica, era quase uma ordem.
Ou seria uma súplica? No dia seguinte, observava melhor, diminuía a velocidade, temendo ser atropelado pelo trânsito, relia a frase. Era uma súplica. O sujeito estaria sofrendo. Muito irritado, mas esperançoso.
Quem seria o grafiteiro? Quem seria Denise?
Pensei várias vezes em estacionar nas redondezas para dar uma olhada mais de perto, mas, inábil no trânsito, temia tomar uma direção errada, o que em São Paulo equivale a parar três bairros adiante.
O grafiteiro não escolhera aquele muro por acaso. Denise moraria no outro lado da rua, de onde pudesse, chegando à janela, observar o apelo estratégico de seu desesperado amor. Era isso. Tentei descobrir alguma janela nas redondezas que arrematasse aquela história, mas só encontrei uma sucessão de muros e portões.
Fiquei imaginando. Como deveria ser uma Denise que recebe recado tão pessoal e desesperado nessa cidade feita de cimento e caos? Sofresse de indecisão, seria tímida. Bonita, mas tímida. Mas fiquei em dúvida: por que bonita? Sempre achamos que criaturas que despertam paixões são bonitas, o que não é verdade.
Conheci um sujeito que vivia elogiando a mulher, bailarina e modelo, com um entusiasmo febril. Eu a imaginava um monumento. Quando fui apresentado a ela, fiquei pasmo. Já não tinha manequim de modelo e, da bailarina, só restara o nariz pontiagudo, que todas têm, não sei a razão. O tempo estragara a bailarina, mas, aos olhos dele, era a bela de sempre.
Pensei então que a tal Denise poderia ser feia. Feia mas atraente. Charmosa, por que não? Tímida e charmosa. O que não me impediu de imaginá-la também belíssima e exuberante. Uma tímida não responderia por pudor, medo, insegurança, mas, se fosse uma bela mulher, poderia ignorar o grafiteiro por mera soberba. Seria então uma mulher ainda mais difícil e achei que o apelo no muro ali ficaria para sempre, sem resposta.
Bom, eu apenas passava por ali. Mas guardei a frase, que adquiriu outros sentidos para mim e passou a ser um mantra que tenho usado ao longo de todos esses anos.
Certa ocasião, assistindo a um jogo de futebol com amigos, irritado com um atacante que saltitava sobre a bola sem chutar, eu gritei: decida-se, Denise! Foi um espanto no estádio e, no intervalo, fui obrigado a me explicar. Hoje, diante de uma hesitação minha ou de alguém a minha volta, penso e digo: decida-se, Denise!
E o grafiteiro e sua amada, onde estarão? Ela se decidiu? Ele esperou?
Não posso saber.
A história se perdeu para sempre num velho muro da cidade de São Paulo.



Um comentário:

  1. Acredito que haja muitas “Denises” por aí. Sou uma delas e, talvez, até me atreva a dizer: sou a mais denise de todas.
    Ah, meu caro cronista! Penso que os homens – a não ser os poetas – jamais entenderão esse traço tão feminino!
    Tão seguros de si, os homens! Tão seguros de que, façam o que façam, digam o que digam, pensem o que pensem, sempre estarão certos. Inquestionáveis. Inatingíveis. Pelo menos, é o que deixam transparecer. Se será assim mesmo, não tenho a menor ideia! Jamais fui homem.
    Querer uma decisão rápida e pronta de uma mulher é querer quase o impossível, o inimaginável.
    Até ao escolher uma cabeça de alface para o almoço é preciso pensar antes de decidir a compra: olhar o preço, o tamanho, a qualidade, a origem, se é orgânica ou hidropônica, se é do tipo que todos apreciam. Virar e revirar a gôndola. Se preciso, ir a outro supermercado, à feira, ao armazém da esquina. Imagine, então, se a questão for maior, se envolver sentimentos, conceitos e pré-conceitos, preceitos e regras incutidos há séculos em nossas cabeças. E se envolver outras pessoas – principalmente da família – aí é que a porca torce o rabo!

    Se “Decida-se, Denise” não revela nenhuma crítica, explícita ou velada, a esse nosso modo de ser, pode suscitá-la entre seus leitores. Então, ao homem que estiver lendo a história da jovem indecisa e olhar com aquele olhar meio acusador, meio reprovador para aquela que está ao seu lado – amiga, colega, companheira, mulher, caso, ou amante – é que eu peço: entenda-nos! Peça-nos um favor e prontamente reviraremos o mundo para satisfazê-lo. Mas não nos peça uma pronta e imediata decisão...

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